Sobre o espisódio “Nosedive”, do seriado “Black Mirror”.

“Nosedive” (perdedora) é o nome do primeiro episódio da terceira temporada do seriado “Black Mirror”, uma série de ficção científica de origens britânicas.

O seriado, feito para televisão digital, aborda criativamente temáticas complexas sobre as sociedades pós-modernas, principalmente as dos países centrais e “desenvolvidos”, onde se confrontam valores humanos e novas tecnologias de comunicação e informação.
Cada episódio tem uma individualidade e autonomia, localizados geralmente no futuro dentro ainda do Século XXI. O ciclo foi transmitido inicialmente pela emissora de TV Channel 4, na Grã Bretanha a finais de 2011. Já em 2015, a rede de televisão digital Netflix adquiriu os direitos integrais de produção e veiculação da série.
O episódio “Nosedive” (perdedora) apresenta a jovemResultado de imagem para black mirror nosedive episode Lacie Pound (interpretada pela atriz Bryce Dallas Howard), uma funcionária que mora com seu irmão num ambiente em que as pessoas vivem relacionadas por aplicativos digitais que avaliam seus desempenhos, principalmente a sua “popularidade”, ranqueando-as com pontuação dada por estrelas.

 
Assim, os membros da comunidade avaliam popularidades e têm colocações das pessoas dadas pelo programa digital, apenas olhando para elas. A garota Lacie,  obcecada por ser bem recebida, começa o episódio com um índice de aprovação normal, mas precisa melhorar sua pontuação para poder adquirir a sua própria casa

 
Para isso, ela contata Naomi uma amiga de infância de Lacie, e pede a ela para ser sua dama de honra em seu casamento, como estratégia para aumentar sua própria pontuação e conseguir os benefícios desejados. Com sarcasmo, criatividade e estética, o episódio denuncia a dependência e necessidade de aceitação das pessoas entre elas e com as novas tecnologias, que parecem ser o novo campo de identificação pessoal e exposição da própria subjetividade

 
Algumas cenas destacadas são quando Lacie causa um confusão no aeroporto, a caminho da boda da sua amiga, e um segurança lhe dá uma punição particular: 24 horas de classificação rebaixada, onde também  todos os votos negativos que ela recebe são duplamente multiplicados. Isto traz grandes transtornos para a garota, a qual, até o último minuto da sua empreitada, tenta chegar a tempo do casamento da sua popular amiga e ser sua dama de honra, para conquistar seu objetivo de popularidade no aplicativo digital.Nosedive Poster

 

Ao longo da sua quase hora de duração, “Nosedive” aborda inúmeras temáticas discutíveis sobre a nossa superficial sociedade contemporânea, onde a aceitação da parte dos outros, através dos mecanismos digitais de aparição dos sujeitos no ciberespaço, parece ser o real e genuíno valor dado aos indivíduos.
Também, a série traz, nesse particular capítulo, uma reflexão sobre o fenômeno da luta por popularidade muito comum no mundo dos adolescentes e alunos do ensino médio. Essa necessidade de brilho, aceitação e destaque através da avaliação do olho alheio é bem visível hoje em inúmeras camadas sociais, em épocas onde a juventude e adolescências são tidos como (supostamente) as melhores e mais frutíferas fases da vida humana, o que se reflete nas preferências, na estética pessoal, no culto ao corpo físico trabalhado e no consumo massiço de produtos e serviços “para parecer mais jovens”.

Sobre “A SOCIEDADE DO CANSAÇO”, de Byung-Chul Han.

Byung-Chul Han é professor, pesquisador e autor sul-coreano, desenvolvedor de anãlises e teorias sobre a cultura na instituição onde se desempenha, a Universidade de Artes de Berlim. Nos seus textos, Han é crítico da presença da internet na vida das sociedades, em épocas de hiper-consumismo e de uma pós-modernidade com atores que parecem não poder parar e refletir sobre suas vicissitudes. Nesses escritos, o autor revela, desde uma óptica cultural com raízes orientais e inserida nos modos de vida contemporâneos, que os costumes (principalmente os dos países centrais) reconfiguram as relações e os relacionamentos, a família, a vida pessoal das últimas gerações , o que pode ser visualizado nas “epidemias de doenças neuronais”: depressão, ansiedade, stress, hiperatividade, déficit de atenção, sedentarismo e, fundamentalmente, a “desconexão em épocas de conexão total”.okok

Fenômenos fortemente acentuados pelos “efeitos colaterais do discurso motivacional, que está crescendo desde o início do século XXI e não para de crescer. Religiões tradicionais estão perdendo adeptos para novas igrejas que trocam o discurso do pecado pelo encorajamento e autoajuda. As instituições políticas e empresariais mudaram o sistema de punição, hierarquia e combate ao concorrente pelas positividades do estímulo, eficiência e reconhecimento social pela superação das próprias limitações”, em palavras do próprio autor.

Byung-Chul Han nasceu na Coreia mas instalou-se na Alemanha onde se formou em Filosofia na Universidade de Friburgo e em Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique. Em 1994, doutorou-se em Friburgo com uma tese sobre o filósofo Martin Heidegger. É professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim e autor de uma dezena de ensaios sobre a sociedade e o ser humano, o que o coloca em linhas analíticas com outros autores tais como o polonês Zygmunt Bauman e o brasileiro Ricardo Antunes.
Por solicitação da disciplina de Cibercultura, do curso de Jornalismo de Universidade Federal do Ceará, expõe-se aqui o fichamento analítico de três dos primeiros capítulos do livro “A Sociedade do Cansaço”, publicada por Byung-Chul Han em 2015.

 

CAPÍTULO 1 – A VIOLÊNCIA NEURONAL
“O século passado foi uma época imunológica. Trata-se de uma época na qual se estabeleceu uma divisão nítida entre dentro e fora, amigo e inimigo ou entre próprio e estranho. Mesmo a Guerra Fria seguia esse esquema imunológico. O próprio paradigma imunológico do século passado foi integralmente dominado pelo vocabulário dessa guerra, por um dispositivo francamente militar. A ação imunológica é definida como ataque e defesa. Nesse dispositivo imunológico, que ultrapassou o campo biológico adentrando no campo e em todo o âmbito social, ali foi inscrita uma cegueira: Pela defesa, afasta-se tudo que é estranho. O objeto da defesa imunológica é a estranheza como tal. Mesmo que o estranho não tenha nenhuma intenção hostil, mesmo que ele não represente nenhum perigo, é eliminado em virtude de sua alteridade.” (Página 7)


As demarcações taxativas da modernidade, em questões sociais, desvanecem-se até se tornarem obsoletas nas épocas pós-modernas. Os sistemas imunológicos humanos ganham novos sentidos e configurações, é a época da eliminação da alteridade fortemente marcada devido ao caráter multi-identitário dos sujeitos das sociedades principalmente ocidentais.

“Mas hoje em dia, em lugar da alteridade entra em cena a diferença, que não provoca nenhuma reação imunológica. A diferença pós-imunológica, sim, a diferença pós-moderna já não faz adoecer. Em nível imunológico, ela é o mesmo[2]. Falta à diferença, de certo modo, o aguilhão da estranheza, que provocaria uma violenta reação imunológica. Também a estranheza se neutraliza numa fórmula de consumo. O estranho cede lugar ao exótico. O tourist viaja para visitá-lo. O turista ou o consumidor já não é mais um sujeito imunológico.” (Página 8)

Hoje, o estranho ou diferente passa a ser exótico, e assim, interessante. Isso se explica também nos fluxos de circulação e tráfego de mensagens e informações na rede virtual globalizada. Milhares de pessoas procuram o desconhecido  para satisfazer a curiosidade que atualmente se abre para um leque de opções infinitas.  

“O paradigma imunológico não se coaduna com o processo de globalização. A alteridade, que provocaria uma imunorreação atuaria contrapondo-se ao processo de suspensão de barreiras. O mundo organizado imunologicamente possui uma topologia específica. É marcado por barreiras, passagens e soleiras, por cercas, trincheiras e muros. Essas impedem o processo de troca e intercâmbio. A promiscuidade geral que hoje em dia toma conta de todos os âmbitos da vida, e a falta da alteridade imunologicamente ativa, condicionam-se mutuamente. Também a hibridização, que domina não apenas o atual discurso teorético-cultural mas também o sentimento que se tem hoje em dia da vida, é diametralmente contrária precisamente à imunização. A hiperestesia imunológica não admite qualquer hibridização.” (Página 9)


Eis ali uma das principais diferenças culturais que separam as sociedades modernas das pós-modernas, sendo que a segunda se mostra naturalmente aberta, misturada, mestiça e híbrida, dando espaço à coexistência pacífica das tendências e estilos.

“A violência não provém apenas da negatividade, mas também da positividade, não apenas do outro ou do estranho, mas também do igual. Baudrillard aponta claramente para essa violência da positividade quando escreve sobre o igual: “Quem vive do igual, também perece pelo igual”[4]. Baudrillard fala igualmente da “obesidade de todos os sistemas atuais”, do sistema de informação, do sistema de comunicação e do sistema de produção. Não existe imunorreação à gordura. Mas Baudrillard expõe o totalitarismo do igual a partir da perspectiva imunológica – e essa é a debilidade de sua teoria: “não é por acaso que se fala tanto de imunidade, anticorpos, de inseminação e aborto. Em tempos de carestia, a preocupação está voltada para a absorção e assimilação. Em épocas de superabundância, o problema volta-se mais para a rejeição e expulsão. A comunicação generalizada e a superinformação ameaçam todas as forças humanas de defesa”[5]. Num sistema onde domina o igual só se pode falar de força de defesa em sentido figurado. A defesa imunológica volta-se sempre contra o outro ou o estranho em sentido enfático. O igual não leva à formação de anticorpos.” (Página 10)

 

CAPÍTULO 2 – ALÉM DA SOCIEDADE DISCIPLINAR

“A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito tempo, entrou uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos da obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos.” (Página 14)

“A sociedade disciplinar é uma sociedade da negatividade. É determinada pela negatividade da proibição. O verbo modal negativo que a domina é o não-ter-o-direito. Também ao dever inere uma negatividade, a negatividade da coerção. A sociedade de desempenho vai se desvinculando cada vez mais da negatividade. (…). No lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação. A sociedade disciplinar ainda está dominada pelo não. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados.” (Página 14).

“Para elevar a produtividade, o paradigma da disciplina é substituído pelo paradigma do desempenho ou pelo esquema positivo do poder, pois a partir de um determinado nível de produtividade, a negatividade da proibição tem um efeito de bloqueio, impedindo um maior crescimento. A positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever. Assim o inconsciente social do dever troca de registro para o registro do poder. O sujeito de desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito da obediência.”(…)
“O que nos torna depressivos seria o imperativo de obedecer apenas a nós mesmos. Para ele, a depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo. Mas pertence também à depressão, precisamente, a carência de vínculos, característica para a crescente fragmentação e atomização do social.” (Página 15).

“O homem depressivo é aquele animal laborans que explora a si mesmo e, quiçá deliberadamente, sem qualquer coação estranha. É agressor e vítima ao mesmo tempo. O si-mesmo em sentido enfático é ainda uma categoria imunológica. Mas a depressão se esquiva de todo e qualquer esquema imunológico. Ela irrompe no momento em que o sujeito de desempenho não pode mais poder. Ela é de princípio um cansaço de fazer e de poder. A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível. Não-mais-poder-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão. O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. O depressivo é o inválido dessa guerra internalizada. A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade. Reflete aquela humanidade que está em guerra consigo mesma.” (Página 16).


Uma nova forma de autodestruição humana: a do homem que permanentemente estabelece metas e desafios, para superá-los e, assim, virar significativo dentro da sua sociedade e época. A depressão aparece como consequência lógica da frustração e da falta de realização de um perfil humano que não deixa de cobrar-se resultados.  

CAPÍTULO 4: VITA ACTIVA

“Em seu escrito Vita activa, Hannah Arendt procura reabilitar a vida ativa contra o primado tradicional da vida contemplativa, rearticulando-a em seu múltiplo desdobramento interno. (…) Ela estabelece uma ligação de sua nova definição da vita activa com o primado da ação. Ali, como seu mestre Heidegger, ela se dedica a abordar o ativismo heroico. Porém, o primeiro Heidegger pautou o agir decisivo no tema da morte. A possibilidade da morte impõe limites ao agir e torna a liberdade finita. Hannah Arendt, ao contrário, orienta a possibilidade da ação no nascimento, o que concede ao agir uma ênfase mais heroica. O milagre consistiria no próprio nascimento do homem e no novo começo; em virtude de seu caráter nascivo, os homens deveriam realizar esse novo começo pela ação. Em lugar da fé, que opera milagres, entra a ação. É ação heroica que cria milagres; a ação humana se vê comprometida a isso por seu nascimento. Assim, a ação contém uma dimensão quase religiosa: “o milagre consiste no fato de os seres humanos pura e simplesmente nascerem, e junto com esses, dar-se o novo começo que eles podem realizar pela ação em virtude de seu ser-nascido. […] O fato de termos confiança no mundo e o fato de podermos ter esperança para o mundo talvez em parte alguma tenha sido expresso de forma tão lapidar e bela como nas palavras onde os oratórios natalinos anunciam a “Boa-nova”: “Nasceu-nos um menino”.” (Página 22)
(…) “Segundo Arendt, a sociedade moderna, enquanto sociedade do trabalho, aniquila toda possibilidade de agir, degradando o homem a um animal laborans − um animal trabalhador. O agir ocasiona ativamente novos processos. O homem moderno, ao contrário, estaria passivamente exposto ao processo anônimo da vida. Também o pensamento degeneraria em cálculo como função cerebral. Todas as formas de vita activa, tanto o produzir quanto o agir, decaem ao patamar do trabalho. Assim, Arendt vê a Modernidade, que começou inicialmente com uma ativação heróica inaudita de todas as capacidades humanas, findar numa passividade mortal.” (Páginas 22 e 23)

O pesquisador utiliza ideias da filósofa Hannah Arendt e compara a tendência do homem “moderno”, mais passivo e “agregador ao seu tempo”, em contraposição ao humano pós-moderno, que exibe uma primazia do trabalho e da produtividade humana como forma de ganhar significado e relevância perante as sociedades da hiperprodução.

“A absolutização do trabalho caminha de mãos dadas com a evolução segundo a qual, “em última instância, a vida da espécie humana se impõe como a única absoluta no surgimento e difusão da sociedade”[22]. Arendt acredita inclusive poder denotar sinais de perigo “de que o homem poderia estar em vias de transformar-se na espécie animal da qual ele parece descender desde Darwin” [23]. Ela admite que todas as atividades humanas, basta que sejam observadas a partir de um ponto suficientemente distanciado no universo, não mais apareceriam como atividades, mas como processos biológicos.” (Página 24).
“(…) Nada promete duração e subsistência. Frente a essa falta do Ser surgem nervosismos e inquietações. A pertença à raça poderia ajudar ao animal que trabalha para a mesma a uma serenidade animalesca. Todavia, o eu pós-moderno está totalmente isolado. Também as religiões enquanto técnica da morte, suprimindo o medo da morte e produzindo um sentimento de duração, tornaram-se obsoletas. A desnarrativização (Entnarrativisierung) geral do mundo reforça o sentimento de transitoriedade. Desnuda a vida. O próprio trabalho é uma atividade desnuda. O trabalho desnudo é precisamente a atividade que corresponde à vida desnuda. O trabalho desnudo e a vida desnuda condicionam-se mutuamente.” (Página 24).


O atual estado geral do indivíduo nas mais diversas sociedades e grupos geram uma carência de horizonte, perspectiva e, por conseguinte, de segurança. É com essas molduras que o autor retrata a ideia da “falta do Ser”, um isolamento substancial mesmo em espaços humanos transpassados por inúmeros elementos que poderiam sugerir pertencimento e identidade (sexualidade, esporte, cultura, entretenimento, espaços de consumo, “tribos urbanas e rurais”, e outros). Eis ai que o trabalho, a produção, a geração de produções, permanentemente, aparece como uma forma de auto definição de legitimação do próprio eu das pessoas, as quais apresentam sua contribuição produtiva como forma de participar dos complexos fenômenos sociais atuais, mesmo que isso gere fadiga e cansaço. Situação curiosa, em épocas de facilidades e simplicidades dos processos da vida quotidiana, graças às tecnologias.

“Precisamente frente à vida desnuda, que acabou se tornando radicalmente transitória, reagimos com hiperatividade, com a histeria do trabalho e da produção. Também o aceleramento de hoje tem muito a ver com a carência de ser. A sociedade do trabalho e a sociedade do desempenho não são uma sociedade livre. Elas geram novas coerções. A dialética de senhor e escravo está, não em última instância, para aquela sociedade na qual cada um é livre e que seria capaz também de ter tempo livre para o lazer. Leva ao contrário a uma sociedade do trabalho, na qual o próprio senhor se transformou num escravo do trabalho. Nessa sociedade coercitiva, cada um carrega consigo seu campo de trabalho. A especificidade desse campo de trabalho é que somos ao mesmo tempo prisioneiro e vigia, vítima e agressor. Assim, acabamos explorando a nós mesmos. Com isso, a exploração é possível mesmo sem senhorio.” (Página 25).

A falta de consistência e autoconfiança dos indivíduos os tornam atuantes sem pausa; preenchendo os vácuos subjetivos com produção e produtividade, mesmo sem objetivos nem metas claras ou conscientes. É o fenômeno da hiperatividade típica do Século XXI.

Sobre “A INTERNET E A RUA – Ciberativismo e Mobilização nas Redes Sociais”, de Fábio Malini e Henrique Antoum.

Em “A INTERNET E A RUA – Ciberativismo e Mobilização nas Redes Sociais”, os autores abordam o fenômeno dos movimentos sociais e políticos que se exprimem, principalmente, nas mídias virtuais e eletrônicas. Para isso, os pesquisadores aplicam metodologias e teorias da sociologia, da teoria política, da história e antropologia, bem como da informática e da análise de sistemas, devido ao espaço digital ocupado por tais manifestações. Um texto lançado pela editora Sulina em 2013, que faz parte da coleção “Ciber Cultura”daquela firma, e no qual os investigadores analisam diferentes aspectos das organizações ideológico-políticas, de maior ou menor nível de coerência e adesão, presentes no espaço digital contemporâneo. Resultado de imagem para a internet e a rua ciberativismo e mobilização nas redes sociais

Eles partem de uma premissa básica: que o mundo virtual pode ser um terreno para o ativismo e as lutas reivindicatórias, no contexto de uma tendência ao “êxodo”, do espaço real para  ciberespaço, do movimentismo ideológico em nível mundial.  Logo na introdução, o texto afirma que  as mídias sociais “nos submetem a um novo regime de expropriação, monetizam nossas conexões afetivas, monitoram nossas redes de relações, se apropriam de nossa inteligência, tempo e vida (…) uma questão surge de forma

perturbadora: mas e se a revolução e a resistência começarem por aí?As redes sociais e plataformas não são, no capitalismo cognitivo, o equivalente ao chão de fábrica fordista?”

Por solicitação da disciplina de Cibercultura, do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, procede-se ao fichamento e análise de três capítulos pontuais do livro “A Internet e a Rua”.


Monitoramento dos dados, vazamento da informação e anonimato do público 

“A Internet de hoje se transmutou, sem dúvida. A atuação social, a mobilização e o engajamento viraram um valor da rede, contrapondo aquele pensamento de felicidade eterna da web comercial, que contaminava a economia e a política. Em grande medida, essa metamorfose tem a ver com a emergência das dinâmicas ativistas, já no final dos 90, que fizeram resgatar o sentido originário peer-to-peer da Internet, dando a ela um novo uso, ao promover diversas inovações, que vão do Napster ao Pirate Bay, dos blogs aos mashups, dos sistemas de troca de arquivo às mídias sociais colaborativas, do jornalismo cidadão neozapatista à tuitagem iraniana”. (Página 152)

Surpreendentemente e contrário a interesses de determinados setores do libre mercado mundial, a internet se mostra como um medio massivo que engloba múltiplos meios dentro dela (e abre possibilidades infinitas de novas mediações), e ainda, apresenta espectadores (internautas) ativos, atuantes e participativos.

“O fato é que a mídia irradiada vem sofrendo sucessivos e inesperados revezes em áreas onde, antes, o seu domínio tinha por limite o orçamento monetário de quem a contratava. Cada vez mais ela vê seu lugar de mediadora social da opinião pública ser denunciado e rejeitado como coercitivo por partes significativas das grandes massas, que antes se deixavam de bom grado representar (Rushkoff, 1999). Daí que, por ora, há todo um conjunto novo de disputas e conflitos sobre a produção e a regulação da liberdade na Internet, na medida em que todo o valor capitalista está radicado em fazer os conectados livres permanecer dentro de limites programáveis e de conexões preestabelecidas, para recolher destes toda a sua produção social. É o paradigma de produção colaborativa do “tudo é meu” (Malini, 2008)”. (Página 153)

A produção de comunicações na rede virtual apresenta um novo paradigma de uso, consumo e gratificações em relação as mensagens hegemônicas e alternativas. A mídia tradicional se mantêm como formadora de opinião, mas precisa ficar atenta à possibilidade de contestação e debate da parte dos usuários.

“Na contramão deste movimento, há todo um outro que visa inflar de liberdade a rede, a partir da disseminação de dispositivos que aceleram a socialização e o compartilhamento de conhecimentos, informação e dados, seguindo novos modelos de direito público, abrindo um conflito com a governança capitalista da liberdade na rede”. (Página 154)

Amplos movimentos ideológicos e opinadores transitam pela rede virtual, expressando ideias de abertura, transparência, compartilhamento e esclarecimento de assuntos, principalmente, das esferas públicas, culturais e corporativas.

“As fusões e aquisições dos anos 70 na esfera das grandes empresas de comunicação vão gerar as grandes redes corporativas globais de informação, cujo novo gerenciamento se faz baseado nos interesses financeiros da empresa através da participação acionária de seus editores e da entrada do marketing no círculo de decisão editorial. O compromisso das editorias com o branding e a lucratividade da rede empresarial corporativa ocasionam uma mega-homogeneidade de temas e assuntos em escala global, alinhando a grade de notícias mesmo nas mais remotas localidades em um efeito de imitação em cascata. O tema da tirania da comunicação (Ramonet, 1999) encontra nesse quadro sua fonte de inspiração, embora os tradicionais críticos da comunicação de massa prefiram atribuí-lo às velhas vicissitudes do imperialismo e da alienação. A abordagem feita pela teoria da recepção e dos estudos culturais procura abrandar uma visão apocalíptica deste fenômeno nos lembrando que ninguém pode sonambular indefinidamente, e mesmo um sonâmbulo precisa acordar de vez em quando”. (Página 155)

A atualidade nos mostra que, embora exista uma forte cobrança de parte de sociedades específicas (europeia, estadunidense, japonesa e escandinava) sobre o perigo da concentração de meios de comunicação, as visões apocalípticas sobre esse assunto foram superadas, e nesse descarte, a possibilidade de participação,  contribuição e contraponto dos receptores (que viram também emissores), teve um importante papel.

“Não há muitas dúvidas de que a massa é um alvo de confusão para as grandes redes de comunicação e de que estas últimas são um meio indefeso para a resistência às guerras de informação travadas diariamente através delas (Schwartau, 1995). Não se vive mais em sociedades de cultura unificada ou hegemônica cuja reprodução social se faz através de processos culturais homogêneos, como supõe uma bolorenta hipótese antropológica”. Página 156).

A ideia de receptores idiotas, passivos e homogeneizados não é mais aceita, mas abre novas discussões sobre os processos culturais e políticos que impregnam as idiossincrasias das nações, em torno de modelos emitidos desde o países centrais.

“Vive-se na fábrica social onde as populações lançam mão dos mais diferentes processos culturais em conflito. Enquanto os diversos processos culturais procuram reproduzir os meios e modos de vida capazes de ampará-los, as populações misturam diferentes partes destes diversos processos misturando-as e recombinandas em busca de sua autonomia (Negri e Hardt, 2001). (…) Tornava-se imperativo analisar os fundamentos políticos que regem os discursos de liberdade que são disseminados pelos atores que constroem a Internet de hoje e de ontem. Esta análise visa extrair um modo de compreender a economia do poder em disputa, instaurada pelos diferentes atores em conflito da sociedade em rede. Para tanto, vamos avaliar os processos de narração coletiva dos acontecimentos públicos, entendidos como laboratórios dessas disputas”. (Página 157).

Os autores expõem seu diagnóstico geral sobre a situação da comunicação em grande escala no mundo digital e os processos de negociação do poder, globalmente. Eles apresentam uma das suas metodologias de abordagem: avaliar os processos de narração coletiva dos acontecimentos públicos.


Monitoramento e disputa pela primazia das narrativas

“Do ponto de vista da formação cultural, a produção de subjetividade da mídia massiva esbarra em seu produto mais notório: os fans– esses pequenos fanáticos com momentâneas opiniões compactas disseminados em profusão pelo poder da irradiação (Jenkins, 2006). (…) Desde o seu surgimento, a mídia distribuída tem se contraposto através de seus usuários a estes efeitos acachapantes de achatamento da diversidade cultural promovida pelos processos de indução e falseamento de opinião típicos desta comunicação unilateral onde poucos falam para muitíssimos. Embora a mídia irradiada de massa seja uma valiosa máquina de construção e destruição instantânea de reputação social, as mídias distribuídas de grupo têm se revelado uma poderosa máquina de criação e sustentação de reputação duradoura, funcionando  em longo prazo”.  (Página 158).

A presença de um tipo especial de usuário, o “fan”, como agente irradiador de temáticas, assuntos, agendas e também como ator polemizador teoricamente despojado de interesses corporativos ou financeiros, como o são os comunicadores especializados que a mídia tradicional apresenta  .

“O uso intensivo das interfaces de comunicação da Internet para estabelecer uma verdade narrativa sobre algum acontecimento e disseminar narrativas sem lugar na mídia corporativa foi chamado de guerra em rede (netwar). Através desta guerra, movimentos sociais ou pequenos grupos podem disputar a primazia  da narrativa verdadeira com Estados, instituições e corporações conversando e argumentando com os mais variados membros que frequentam sua teia de páginas web, grupos de discussão, redes sociais, blogs e outras interfaces de comunicação distribuída (Cleaver, 1999; Arquilla e Ronfeldt, 1996)”. (Página 159).

As narrativas permitidas nas plataformas online dão espaço à aparição de múltiplas verdades e realidades oriundas de setores sociais mais ou menos organizados em torno de movimentos, os quais podem disputar a primazia hegemônica com os poderes historicamente estabelecidos.


A liberdade “negativa”, ou o biopoder na Internet

“A Internet é um campo social, como muitos outros, onde a liberdade está em disputa. Na verdade, quando dizemos “liberdade” entende-se aí os mecanismos e atos autônomos de cooperação social que permitem o exercício do poder (e contrapoder), a produção social e a ativação psicológica de afetos”.  (Página 160).

As formas de manifestação e de encontro social na internet, que propicia essas novas maneiras de ativismo ideológico e político, se apresentam num novo campo social e redefinem a noção de “liberdade”, pela fragmentação do poder de expressão.

“Na lógica do biopoder, já não se governa somente o corpo da população, mas  todo o seu meio ambiente, a sua comunicação, os seus conhecimentos e seus afetos, através da geração incessante de riscos. (…) Nesse sentido, a liberdade na rede, para aqueles que querem transformá-la em commoditie 2.0, é uma liberdade negativa, porque, antes, é uma liberdade regulada por leis de direitos autorais e propriedade intelectual, que permitem que o sonho fordista das corporações de mídia seja realizado: “Transformar-se em grande fábrica que monitora as atividades de todos online (…).” (Página 162).

Os eixos centrais do poder historicamente cimentado devem prestar atenção aos espaços virtuais e o novo biopoder lá gerado, já que inovadores espaços de debate, disputa e contestação aparecem diariamente na rede mundial. Nesse sentido e com essas possibilidades, o sonho capitalista (fordista) de exploração comercial e financeira da rede, integralmente, se vê desafiado.

“Exercido por uma multiplicidade de sujeitos, o poder de criar em rede (a colaboração) vai sendo cada vez mais freado pelo poder de “pagar para criar em rede” (a permissão) praticado pelos oligopólios industriais da cultura e da mídia, instauradores de uma espécie de feudalismo digital, onde o usuário torna-se preso à terra que ele mesmo povoa. (…) O efeito colateral dessa “liberdade negativa”, promovida pelas corporações de mídia online, será a propriedade e a fragmentação dos bens comuns, mais do que uma busca incessante pela produção de repetições balbuciantes dos fãs online. Nessa perspectiva, a cultura se vê ameaçada pelos códigos de  copyright estabelecidos pelo capital midiático, que estabelece os modos pelos quais os bens culturais devem circular e serem usados. Na onda 2.0, dá-se com uma mão para se retirar com  a outra. “Nunca o  copyright protegeu um leque tão amplo de direitos, contra um leque tão amplo de atores, por um tempo  tão longo” (Lessig, 2005)”. (Página 164).

Pertinentemente citado, Lawrence Lessig e sua teoria da Cultura Livre se fazem presentes para analisar a necessidade de uma flexibilidade das leis e normas dos direitos autorais e de licenciamento para utilização de materiais que circulam na internet, principalmente, de bens culturais.

“Embora o quadro de idílio pareça atraente, basta que os interesses das empresas se vejam ameaçados por iniciativas dos usuários para o conflito explodir e o confronto aparecer em toda sua violência”. (Página 165).

PeImportante ressalva de Fábio Malini e Henrique Antoum sobre quem, em definitiva, continua comandando a rede virtual e seu funcionamento: não confundir a possibilidade de expressão no ciberespaço com tentar mudar radicalmente esse ciber espaço.

A guerra do código e os limites da rede colaborativa

“Em 2007 uma sequência hexadecimal criou o maior rebuliço na web e no mundo da mídia de massa (…) Tratava-se da chave criptográfica que quebra o sistema AACS (Advanced Access Content System) dos HD-DVD e do Blu-Ray com filmes e jogos com imagem de alta definição. Com eles, você pode ver os mais recentes títulos em qualquer mídia, pois são a chave que abre a porta artificialmente trancada. (Página 165).

Um exemplo histórico de quando a liberdade de informação na rede acaba prejudicando a mega indústria das novas tecnologias e dispositivos, tradicional parceira e utilizadora do ciberespaço com fins comerciais. 

“Um efeito colateral curioso foi a revolta do Digg. Rede social de notícias, o site ameaçado de processo pela AACS começou a apagar as publicações do código. Mas no Digg as pessoas publicam, votam e definem o que é importante para ir à página principal. Os usuários se autorregulam e intervenções externas acabam causando coisas estranhas, facilmente percebidas pela comunidade. Os usuários reagiram ao apagamento sistemático e inventaram uma “bomba” que fazia com que qualquer matéria da primeira página remetesse ao código proibido. Ao final do dia, o fundador do sítio, Kevin Rose, reconsiderou a insanidade da exigência e publicou o código no próprio blog da direção do Digg, liberando a publicação dele no sítio, junto com uma declaração de que aquela comunidade havia decidido que preferia ver o Digg cair lutando (contra a lei) do que vê-lo dobrando-se frente a uma companhia maior. (Página 167).

Atitudes movimentastes e políticas dentro do espaço digital, como o de intervenção de usuários e revelação de intimidades corporativas para as massas de internautas.

“Houve quem comparasse toda essa movimentação com a carta impressa de Lutero pregada na porta da Igreja, que desencadeou a Reforma. (…) Exageros à parte, a guerra do código que quebrou a criptografia do HD-DVD e do Blu-Ray marcou a afirmação dos que se envolvem com as práticas das mídias digitais com o exercício da cidadania digital, e não mais com o lugar dos consumidores”. (Página 169)

A ideia de “cidadania digital” visualizada em participações dos usuários vistos não mais como meros receptores e sim como possíveis agentes de câmbio e mudança, desde o ciberespaço e em direção às realidades sociais.

Sobre “OS COMPUTADORES TAMBÉM SONHAM? Para uma Teoria da Cibercultura como Imaginário”, de Erick Felinto.

O professor, pesquisador e autor brasileiro Erick Felinto, que se desempenha na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, publicou o texto citado em 2006, e, mesmo com as notáveis mudanças acontecidas no ciberespaço nos 12 anos transcorridos, os postulados do docente parecem nitidamente atuais.  Erick Felinto

Ele expõe a elaboração de uma teoria que aborde a cibercultura como um elemento social de raízes profundamente tecnológicas, dimensão cujos valores, critérios e modalidades impregnam outras esferas da vida humana no mundo todo.

Ele afirma logo no resumo que “a cibercultura se constitui em visão de mundo
coerente, descrevendo algumas das principais representações culturais que têm cercado as tecnologias digitais”. Assim mesmo, o pesquisador destaca três momentos epistemológicos na composição da sua proposta de teoria analítica:

I) a análise das relações entre materialidades e imaginários tecnológicos,

II) a arqueologia dos meios e

III) a adoção de uma visão “culturalista”.

Por pedido da disciplina de Cibercultura do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, expõe-se aqui um fichamento do texto, incorporando algumas considerações do aluno.
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PARTE 1

“No domínio do pensamento acadêmico, as palavras mais sedutoras parecem ser freqüentemente também as mais difíceis de definir. (…)
Foi assim com a expressão “pós-moderno”, cuja popularidade entre os teóricos das ciências sociais não cessou de crescer pelo menos até meados da década de 1990. Falava-se exaustivamente da estética pós-moderna, falava-se das “sociabilidades pós-modernas”, mas era impossível evitar uma sensação de certa dúvida quanto às reais diferenças que a pós-modernidade apresentava com relação à modernidade que lhe havia antecedido. Afinal, o pós-moderno envolvia uma recuperação de diversos passados e compreendia, em suas supostas poéticas, princípios que já haviam sido erigidos nos modernismos de fins do século XIX e início do século XX.(…)
Dá-se algo semelhante com o termo “cibercultura”, que desfruta hoje de significativa notoriedade nos meios acadêmicos, tan to no exterior quanto em nossas terras tecnologicamente menos adiantadas. Contudo, a palavra parece evocar muito mais uma “névoa de idéias”, uma intuição a respeito de determinada situação cultural do que uma definição precisa”. (página 2, parágrafos 1 e 2).

Importante colocação do autor sobre os termos transnacionais como “pós-modernidade” ou “cibercultura”, conceitos amplamente utilizados nos contextos acadêmicos ou midiáticos, mas nem sempre esclarecidos ou delimitados previamente às suas utilizações.

“Nesse sentido, a cibercultura não seria muito mais que uma outra expressão para designar nossa complexa e intrigante pós-modernidade. (…) Porém, a cibercultura parece ser aquela esfera da experiência contemporânea na qual o componente tecnológico passa a ser pensado, reflexivamente, como o fator central determinante das vivências sociais, das sensorialidades e das elaborações estéticas.
Em, outras palavras, mais que uma tecnocultura, a cibercultura representa um momento em que a tecnologia se coloca como questão essencial para toda a sociedade em todos os seus aspectos, dentro e fora da academia.Pode-se argumentar que a experiência tecnológica tem se constituído em problema explícito para as sociedades ocidentais desde pelo menos a Revolução Industrial. E, no que tange especificamente às tecnologias comunicacionais, o surgimento dos meios de massa converte o tema da comunicação em questão central desde meados da década de 1940. Pode-se ainda afirmar que os pensadores da cibercultura não fazem muito mais que reeditar as posições teóricas representadas por teóricos como Adorno e McLuhan”. (páginas 2 e 3, parágrafos 4 e 5, e 1 respectivamente).

O pesquisador critica o pouco desenvolvimento teórico da sociologia e da filosofia ocidental dos conceitos de ceibrcultura e tecnocultura, mostrando que a atualidade categórica desses não supera em profundidade os estudos críticos e funcionalistas dos anos 1940s.

“A miniaturização das tecnologias de comunicação, bem como sua crescente mobilidade, presentes em aparatos como telefones celulares, palmtops e notebooks tornaram a comunicação mediada um fenômeno tão ubíquo que já não é mais possível escapar do mandado da comunicação. Temos de nos comunicar sempre, com cada vez mais freqüência e eficácia. Como sugere Sfez, todas as tecnologias de vanguarda enraízam-se num único princípio: a comunicação (1994, p. 21). A cibercultura representa, nesse sentido, o instante supremo de realização da comunicação tecnológica: sem limites, sem fronteiras, sem ruídos – uma comunicação total. Se fosse apenas isso, teríamos de concluir que a singularidade da cibercultura se reduz a um problema de grau em relação aos momentos tecnológicos anteriores”. (página 3, parágrafo 5).

Fenômeno social também nomeado por outros autores de “tecno-fascinação”, em que as novas tecnologias impõem uma supremacia incontestável, são vistas como garantias de futuro e determinam ritmos de produção, de vida e, principalmente, de comunicação, hoje, em escala planetária. 

“Temos aí, de fato, um dado essencial: na cibercultura, o valor supremo é a informação representada numericamente. Em outras palavras, a cibercultura promoveu uma radical “informatização” do mundo – uma visão na qual toda a natureza, incluindo a subjetividade humana, pode ser compreendida como padrões informacionais passíveis de digitalização em sistemas computadorizados. (…) As novas biotecnologias encontram-se, assim, com o campo das novas tecnologias computacionais. A cibercultura constitui um universo no qual cada átomo e partícula se traduzem efetivamente em informação e comunicação.  Diante dessa situação, não é de espantar a proliferação de conceitos que atravessam áreas tão distintas como a genética, as ciências sociais e as ciências computacionais. Um desses conceitos toma corpo na estranha palavra “meme”. (…) A informação é, nesse sentido, um conceito-chave da cibercultura, assim como de certas interpretações contemporâneas das fundações do cosmos físico (…) Se Lévy Strauss enxergava o binarismo como estrutura básica de funcionamento da mente humana, a cibercultura irá erigi-lo como novo idioma universal da sociedade tecnológica”. (página 4, parágrafo 3, página 5, parágrafo 1).

A era pós-moderna outorga um valor histórico e incomensurável à informação, desde as ciências biológicas, passando pelas notícias de último momento, até os valores das bolsas do mercado financeiro. Na vida quotidiana, as pessoas do mundo todo sentem a necessidade de estarem informadas e, principalmente, “atualizadas”, para fazerem parte da sua época.

“O próprio pesquisador reconhece, em diversos momentos, que a cibercultura ultrapassa largamente esse domínio, ainda que seja inegável a importância de seus vínculos com o conceito de ciberespaço. A presença do prefixo “ciber” em diversas outras palavras em voga – de “cibersexo” a “ciberarte” – é indicativa do caráter difuso que a cibercultura possui na contemporaneidade. (…) O imaginário, explica Hélène Vèdrine, é aquilo que “[…] trabalha, do interior, todos os sistemas e os obriga a afinar seus conceitos, quer se trate do simbólico, do estético, do conhecimento e de seus prolongamentos dirigidos à estética e à política. (…)
Bênção porque permite explicar fenômenos como o de cibercultura sem eliminar nenhuma de suas dimensões possíveis; maldição porque ele nos obriga a continuar transitando em um território nebuloso, de contornos imprecisos e de cientificidade algo “frouxa”. (…)
Hoje é possível notar certo arrefecimento no interesse pelos estudos sobre o imaginário. No entanto, precisamente no âmbito dos estudos sobre cibercultura ou as feições tecnológicas da sociedade contemporânea, o imaginário reaparece como conceito importante, ao lado de várias outras noções que lhe são correlatas, como “mito”, “metáfora” e “fantasia”. Ele adquire caráter “regional” na expressão “imaginário tecnológico”, de uso corrente em autores como Sfez (1996), Ferrer (1996),Lemos (2002) ou Rüdiger (2002).  (página 5, parágrafos 1 ,2, 3 e 4)

As dificuldades científico – epistemológicas de definir, 20 anos depois da imposição do termo “cibercultura” em nível mundial, e ,junto com ele, ciberespeaço. Sendo eles, nos mais variados contextos, elementos utilizados e discutidos, mas nem reconhecido pelos usuários, muito menos definível por eles.  

 

“Em todos esses autores, um “imaginário tecnológico” é uma espécie de força social que projeta sobre a tecnologia determinadas imagens, expectativas e representações coletivas. A cibercultura poderia, assim, ser definida como um imaginário tecnológico fecundado a partir do paradigma (e visão de mundo) digital.  (…)
O imaginário tecnológico compreende, portanto, os processos por meio dos quais características, projetos e sonhos de determinadas época e sociedade se plasmam em aparatos materiais, bem como o impacto que esses aparatos ensejam, uma vez convertidos em realidades do cotidiano, na imaginação coletiva da cultura no seio da qual foram concebidos.(…) Contudo, com finalidade exclusivamente metodológica, seria possível sugerir a existência de três domínios distintos nos quais se poderia estudar o imaginário da cibercultura: a) o domínio das comunicações, práticas e visões sociais envolvendo as tecnologias digitais; b) o domínio das representações ficcionais nas quais se pode observar a presença de elementos (tropos, mitemas etc.) característicos de uma visão de mundo “cibercultural” e c) o domínio das apreensões teóricas a respeito do “fenômeno cibercultura”. (página 6, parágrafo 2 e 3, página 7, parágrafo 1)

Erick Felinto vai além da suposição de que as culturas marcadas pela presença de avanços tecnológicos e conhecimentos técnicos dessas áreas são culturais apenas porque contêm cultura dentro delas. O autor, numa abordagem mais profunda, reconhece esses três elementos ou “domínios”: o das comunicações/práticas/visões; o das representações ficcionais; e o das apreensões teóricas sobre o fenômeno.

“… uma das tarefas mais prementes que se apresenta aos pesquisadores da cibercultura é entender a lógica e as estruturas do imaginário que a constitui. Deveremos perguntar: a partir de que lugar falam esses discursos da imaginação cibercultural? (…) Nesse sentido, a cibercultura se manifesta como um imaginário no qual o paradigma digital chega para realizar um sonho imemorial da humanidade: a transcendência das limitações humanas, a manipulação da realidade convertida em padrões de informação, a conquista absoluta da natureza e das leis do cosmos – em uma palavra, a divinização do homo ciberneticus. Nesse horizonte, a tecnologia se apresenta como uma espécie de magia”. (página 8 parágrafo 2)

O pesquisador destaca a necessidade de entender, interpretar e reconstruir as conformações do imaginário que constitui a cibercultura, trazendo essa questão para um terreno analítico e desmitificando-a como uma trama altamente complexa, e ainda, tida como “inevitável”.

“Esse retorno do reprimido, essa manifestação de um “inconsciente tecnológico” (RUTSKY, 1999, p.134) no seio da nossa “pós-modernidade” não poderia deixar de ser perturbador. Mas, para muitos observadores atentos, não resta dúvida de que a cibercultura se constitui em uma espécie de religião informática na qual os termos communicare e religare se encontram intimamente conectados. (páginas 8 e 9)

(Esquema de Felinto)

Quadro 1 : Dualidade corpo e consciência 

Consciência

• imagens de expansão
• imagens de (re)construção

Corpo

• imagens de desmaterialização
• imagens de hibridação

Neste esquema, enquadram-se, por exemplo, os discursos que anunciam o surgimento de um novo tipo de consciência conectada, capaz de expandir-se pela rede sem limites (uma “inteligência coletiva”) ou reelaborar à vontade suas marcas identitárias (TURKLE, 1997). Por outro lado, o corpo também se torna maleável, podendo conjugar-se à matéria inorgânica de modo a se transformar em ciborgue (HARAWAY, 2000) ou simplesmente desaparecer, já que o fundamental, na visão de mundo digitalista, é a mente convertida em padrões informacionais”.(página 9)

O autor categoriza conceitualmente as duas dimensões que ele reconhece na ideia de cibercultura, com dinâmicas de funcionamento que se associam mutuamente, sempre atravessadas pela ideia de informação transmitida a todo momento. E ele complementa, na página 10, o mito da “comunicação TOTAL” como central nas narrativas daquilo entenido como cibercultura.

“Acredito que o mito da comunicação total constitua a grande narrativa organizadora em torno da qual se desenrolam todas as outras fantasias ancilares da cibercultura. Esse mito implica a idéia da desaparição de todo obstáculo ou materialidade no processo de comunicação, inclusive do próprio corpo. Envolve ainda noções como imediatez, transparência e transcendência. Indo além de toda forma de comunicação simbólica, o sonho da cibercultura é engendrar uma espécie de comunhão mística, na qual a própria mídia desapareça e a representação se torne apresentação”. (página 10, parágrafo 1).

“Nesse sentido, todo o entusiasmo da cibercultura com os futuros possíveis, todo seu fascínio com os discursos projetivos e expectantes se traduz, de novo paradoxalmente, numa espécie de retorno ao Paraíso perdido, àquele estado de completude do sujeito integrado holisticamente ao resto do mundo. Trata-se de buscar o repouso definitivo no grande mar indistinto do Ser, livre
das dores e angústias desse mundo material e temporal”, (pagina 10, parágrafo 2).

Novamente a ideia do fenômeno psico-social da tecno-fascinação como força que impõe a cibercultura nos mais diversos âmbitos humanos, com a promessa de continuidade futura da existência graças aos avanços tecnológicos.

 

2 CONCLUSÃO: MAPEANDO O IMAGINÁRIO TECNOLÓGICO CONTEMPORÂNEO

Nesta parte, Erick Felinto contrapõe as diferentes teorias e conceitos abordados previamente e descreve uma dimensão de pensamento humano dentro do panorama tecnológico material e globalizado do Século XXI.


2.1 A Investigação das Relações entre Materialidades e Imaginários Tecnológicos

“Nenhum imaginário é produção autônoma de um sujeito livre, independente do mundo material e histórico que o cerca. Mesmo numa concepção tão humanista e subjetivista de imaginário como a de Gilbert Durand, é impossível eliminar o papel das matérias e dos contextos na determinação das imagens. (…) Numa cultura como a nossa, de natureza profundamente hermenêutica, a questão da materialidade tendeu a ser obscurecida pelo foco situado na interpretação dos fenômenos. Mesmo no campo da comunicação, a maior parte das metodologias e escolas de pensamento (por exemplo, estudos de recepção, análise do discurso, análise da imagem, etc) tem
operado a partir de um paradigma hermenêutico. Entretanto, em trabalhos recentes como os de Hans Ulrich Gumbrecht, Friedrich Kittler e Vivian Sobchack assistimos a uma recuperação e a um aprofundamento de certa corrente de pensamento eminentemente “materialista”, já detectável em autores como Benjamin, Simmel, Derrida e McLuhan (lembremos: “o meio é a mensagem”). (pagina 11, parágrafo 1).

Felinto reafirma a natureza humana e o caráter teleologista (carregados de objetivos e finalidades) das novas tecnologias, destacando a necessidade de análises que abordem essa questão e apresentando importantes obras de destacados pensadores da área.


2.2 A Arqueologia das Mídias

“A crescente popularidade de pesquisas que se debruçam sobre a recepção social de tecnologias anteriores, como o telégrafo ou o rádio (MARVIN, 1988; SCONCE, 2000; KITTLER, 1999), parece indicar uma nova tendência no campo dos estudos de mídia. (…) Seu objetivo é “[…] revelar momentos dinâmicos nos quais floresça a heterogeneidade no registro arqueológico midiático para, desse modo, entrar em uma relação de tensão com vários momentos do presente, relativizá-los e torná-los mais decisivos” (ZIELINSKI, 2006, p. 11). As arqueologias midiáticas têm sido fundamentais para repensarmos nossas relações com as tecnologias, bem como as conexões que cada situação histórico-cultural estabelece com determinados sistemas tecnológicos. Por outro lado, a partir dessa “historicização” das mídias, tornamo-nos capazes de lançar um outro olhar, mais perspectivado e isento, sobre nossa contemporaneidade tecnológica.(…)
No horizonte de uma teoria da cibercultura como imaginário tecnológico, a arqueologia das tecnologias de comunicação é fundamental para entender, também, como certas representações
culturais se repetem ou atualizam numa relação de constante diálogo e retomada do passado”.
(página 11, parágrafo 2).

A análise histórica e a abordagem gradual e temporal da invenção, criação, produção e circulação das mídias revelam a carga humana e as intencionalidades sociais por trás delas, permitindo observar as culturas (humanas) que as permeiam.

2.3 A Adoção de uma Visão “Culturalista”

“Investigar o imaginário tecnológico contemporâneo exige que adotemos, antes de tudo, aquilo que chamo de uma visão “culturalista”. Em outras palavras, é preciso partir do princípio de que os vários discursos e representações sociais sobre a cibercultura constituem uma totalidade cultural “coerente”. (…)
Como novíssimo campo de estudos, a cibercultura tem certamente muito a oferecer à comunicação. Contudo, sua complexidade e amplitude irão exigir dos pesquisadores cada vez mais flexibilidade e desenvoltura em relação a diversas disciplinas e saberes. Como imaginário, a cibercultura nos oferece um vasto repertório de sonhos e visões utópicas ou distópicas. Mas nem todas as utopias são benfazejas. Breve, teremos de escolher quais desses sonhos realmente valem a pena sonhar”. (páginas 12 e 13, parágrafos 2 e 1, respectivamente).

A abordagem culturalista para os fenômenos tecnolígico-sociais, inclusive o ciberespaço e a cibercultura, permite a convergência de diversas disciplinas, doutrinas, saberes, metodologias e construções teóricas, podendo ser aplicada até ao caso do “inconsciente”(humano) nos computadores.

 

CIBERGUIA: Contribuição ao Ciber-Dicionário. Análise histórica/crítica da ferramenta “Google News Lab”.

Um serviço virtual de ferramentas, triagem e disponibilização de arquivos voltado à produção de notícias e histórias, o Google News Lab foi apresentado em junho de 2015, e, embora ofereça recursos bastante utilizados, ainda não tem a confiança de boa parte dos meios e jornalistas.
O projeto News Lab se apresenta como mais uma “ferramenta” do motor de busca mais famoso e usado no mundo, a Google, com o objetivo de ajudar os profissionais da notícias produzir comunicações noticiosas com um maior número de fontes e referências, colaborando também com a rápida divulgação dessas notícias produzidas. Em comunicado oficial liberado pela Google nos dias posteriores ao lançamento, a firma destaca que, com o News Lab, “(…) a missão é colaborar com jornalistas e empresários para construir o futuro da mídia. Estamos focando nisso de três maneiras: garantindo que nossas ferramentas estejam disponíveis para todas as redações do mundo (e que estas saibam como usá-las), entregando dados úteis da Google nas mãos de profissionais e por meio de programas criados para construir uma das maiores oportunidades que existem na indústria da mídia atualmente” (Google, 2015).google-news-lab-cursos-online-jornalistas

O projeto integral do Google News Lab se baseia em quatro pilares de atuação: 1) Confiança e Desinformação; 2) Notícias Locais; 3) Jornalismo Inclusivo e 4) Tecnologias Emergentes. O sistema parte da premissa de tornar disponível o maior arquivo e motor de busca do mundo: a própria Google, e com ele, suas ferramentas: Google Docs, Maps, Search, Street View, Tradutor (recurso amplamente criticado), Youtube NewsWire, e outros. Dessa forma, o programa afirma ter inúmeras soluções para fazer pesquisa amplas e multi-focadas de qualquer assunto (mas nem por isso, profundas ou com informações checadas). O site criou uma série de tutoriais com explicações passo-a-passo para utilizar esses utensílios virtuais de forma acertada e veloz, e inclusive, está desenvolvendo parcerias com universidades e faculdades de comunicação ao redor do mundo, para oferecer o curso de qualificação d jornalistas em Google News Lab (ver últimos parágrafos).
Com a criação da News Lab, a mega-corporação também atualizou a plataforma digital ˜Google Trends”. No seu uso “jornalístico”, a Trends informa quais dados, fontes e informações estão sendo mais usadas por comunicadores e pesquisadores do mundo todo, sugerindo uma confiança desses conjuntos de dados por aceitação maciça.

CRÍTICAS

Não faltam os críticos que enxergam no programa News Lab diversas falências na hora das consultas de fontes e da checagem de dados. Dan Rowinski, editor da publicação tecnológica ARC , considera que a Google tem causado os maiores constrangimentos à imprensa nos últimos 20 anos. “De fato, perante a Google os jornais parecem ter perdido relevância e imediatismo, e têm sido forçados a cortar produção e empregos(…). Além do mais, ela propõe que seja feito jornalismo não usando ela, mas através dela.” (Applause.com/blog, 2017). Ainda dois anos depois do lançamento oficial da News Lab, os maiores meios informativos afirmam manter suas rotinas tradicionais de consulta e checagem, sem confiar plenamente no programa.
Perante essa realidade e sem demoras, a Google desenvolveu planos de “qualificação” de jornalistas para o uso da News Lab. A corporação desenvolveu o projeto educacional chamado “News Lab University Network” que, no dia do seu lançamento (em 1 de dezembro de 2016), já contava com 49 instituições de ensino filiadas ao redor do mundo. A Google indica que é um programas de treinamento para jornalistas, publicitários e comunicadores de diversos países do mundo, que busca qualificá-los para a utilização do News Lab e de outros recursos tais como o Youtube News Wire (ferramenta que provê notícias em vídeo relacionadas a acontecimentos considerados importantes, de forma contributiva: os usuários poderão enviar os vídeos e dados, passando previamente por uma vistoria do próprio YouTube).


FUTURO JORNALÍSTICO À LA GOOGLE?

Uma inserção do gigante da internet nas salas de aula (de forma oficial), o University Network também promove uma rede mundial de jornalismo colaborativo que, pelo menos na teoria, promova o intercâmbio permanente e a troca de elementos úteis entre jornalistas e produtores de notícias, no intuito de aumentar a pluralidade de vozes e a transparência na abordagem dos assuntos.
Independentemente do grau de adesão que os jornalistas do mundo tenham em relação ao programa de qualificação universitária da Google, é visível que, desde há anos, o jornalismo se vê influenciado pelo motor de busca e as ferramentas dele. O que pode significar não só uma dependência durante o processo de produção noticiosa, mas também uma veiculação e exposição das notícias adaptadas aos formatos e exigências da própria Google.


REFERÊNCIAS

ANASTÁCIO, Víctor Hugo dos Santos, Um novo jeito de Produzir e Consumir Informação, 12/07/2015, disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/e-noticias/um-novo-jeito-de-produzir-e-consumir-informacao/ , acesso em 12/4/2018.

GOOGLE CORPORATION, Google News Lab, disponível em https://newsinitiative.withgoogle.com/training/courses, acesso em 10/4/2018.

ROWINSKY, Dan,  75% Of People Have Performance Issues With Digital Transformation, 12/07/2017, disponível em https://www.applause.com/blog/digital-performance-issues-dynatrace-survey/ , Acesso em 11/4/2018.

 

@CesarAMArtin

Sobre “A Geração Superficial (The Shallows) – O que a internet está fazendo com os nossos cérebros”, de Nicholas Carr.

Um autor e textos que seguem a análise crítica da pós-modernidade, junto de outros como Zigmunt Bauman (“Modernidade Líquida”) ou Giovanni Sartori (“Homo Videns”), no livro “The Shallows”(“A geração superficial”, na edição em português de 2011 traduzido por Mônica Gagliotti Fortunato Friaça; Nicholas Carr aborda criticamente os riscos cognitivos e mentais das novas tecnologias virtuais.

Carr é um escritor estadunidense, professor universitário, mestre em Língua e Literatura Americana formado pela Universidade de Harvard. Confira aqui uma entrevista por ele brindada à TV Espanhola (dublada em espanhol). Tanto nessa matéria quanto nos capítulos 1 e 3 do livro “The Shallows…”, o autor é taxativo: “A tecnologia pode nos desafiar e melhorar as nossas vidas,  ou pode nos tornar criaturas passivas”. Os dois capítulos citados, analisados por pedido da disciplina de Cibercultura da Universidade Federal do Ceará, apresentam importantes referências bibliográficas da teoria da comunicação, bem como filosóficas,  clássicas e científicas, relacionando dois importantes fatores: desenvolvimento mental e uso dos avanços tecnológicos.

Segundo o autor, a sequenciada aparição de artefatos tecnológicos, a utilização desses aparatos dentro de processos diários de comunicação e aprendizado, está mudando a percepção, memória e conhecimento das sociedades, porque modal a memória e ao cérebro. Carr apresenta o surgimento do relógio, do mapa, dos livros, das tecnologias utilizadas para o estudo e a transmissão de informação.

Nicholas traz à toa um elemento oculto mas chave dos desenvolvimentos sociais: a ética intelectual, exposta como “a mensagem que um meio ou outro instrumento transmite às mentes e cultura de seus usuários.” Assim como Sartori e Bauman,  o autor destaca a importância de, mesmo na continuidade de informações virtuais fragmentadas às quais somos permanentemente submetidos, manter a leitura profunda e prolongada, como forma de manutenção dos mecanismos simbologistas e meta-congitivos de aprendizado. Eis aqui um destaque de importantes trechos dos capítulos 1 e 3 de “A Geração Superficial”, de Nicholas Carr.

Prólogo. O Cão de guarda e o ladrão.

McLuhan declarou   que a “mídia elétrica”   do século XX – telefone, rádio, cinema, televisão – estava rompendo a tirania do texto sobre nossos pensamentos  e sentidos. Nosso egos, isolados e fragmentados, presos por séculos à leitura privada de páginas impressas, estavam se tornando inteiros novamente, fundindo-se no equivalente global de uma aldeia tribal. Estávamos nos aproximando da “simulação tecnológica da consciência,  quando  o  processo criativo do conhecimento será coletiva e corporativamente alargado a toda a sociedade humana”.

Mesmo   no auge   da fama,  os   meios de comunicação foi um livro mais falado do que lido. Hoje   tornou-se uma relíquia cultural, relegado a cursos de estudo de mídia nas universidades. Mas McLuhan, ao mesmo tempo um exibicionista e um erudito, era um mestre em frases de efeito, e uma delas, vinda das páginas do livro, sobrevive como um ditado popular: “O meio é a mensagem”. O que foi   esquecido em nossa repetição desse aforismo enigmático é que McLuhan não estava apenas reconhecendo, e celebrando, o poder transformador das novas tecnologias de comunicação. Estava também alertando para a ameaça que esse poder representa – e o risco de ficar alheio a essa ameaça. “A   tecnologia elétrica está dentro dos portões”, escreveu ele, “e estamos adormecidos, surdos, cegos e mudos sobre o encontro dela com a tecnologia de Gutenberg, através da qual e pela qual formou-se o modo de vida americano”.

A Internet é a mídia mais recente a estimular o debate. O confronto entre entusiastas e céticos da rede, em andamento há mais de vinte anos por meio de dezenas de livros e artigos e milhares de  posts,  vídeos e  podcasts, está polarizado como sempre, com os favoráveis anunciando uma nova era de ouro do acesso e da participação, e os contrários lamentando uma nova idade das trevas da mediocridade e do   narcisismo.O debate tem sido importante – o conteúdo importa sim – mas por depender de ideologia pessoal e gosto, acabou num beco sem saída.As opiniões ficaram extremas; os ataques, pessoais.“Ludita!”, desdenha o entusiasta. “Filisteu!”, ridiculariza o cético. “Cassandra!” “Poliana!”

O   que   ambos   estão esquecendo   é o que McLuhan viu:   que a longo prazo o conteúdo   de uma mídia importa menos que ela própria em influenciar   o modo como pensamos e agimos.

Nos deslumbramos   tanto com a programação,   ou nos incomodamos tanto com ela, que deixamos de perceber o que está acontecendo dentro de nossas cabeças.

Toda nova   mídia, McLuhan   concluiu, nos modifica. “Nossa   resposta convencional a  todas as   mídias, ou seja, de que é como são usadas que conta, é a postura   insensível do idiota tecnológico”, escreveu ele. O conteúdo   de um meio é apenas “o pedaço suculento de carne oferecido   pelo ladrão para distrair o cão de guarda de nossas mentes”.

Mesmo os conscientes da influência   cada vez maior da rede raramente permitem que suas preocupações atrapalhem o uso e a diversão com a tecnologia. O crítico de cinema David   Thomson observou certa vez que “as dúvidas podem se tornar frágeis em face da certeza do meio”. Ele estava falando sobre o cinema   e como  ele  projeta  suas sensações  e  sensibilidades, não só na tela de cinema mas  em nós, o público entretido e obediente. O comentário aplica-se à Internet   com ainda mais força. O computador tira nossas dúvidas com recompensas e conveniências.

Capítulo 1. HAL E EU

Minha   concentração   começa a derivar depois de uma página ou duas. Fico nervoso, perco a trama, começo a procurar outra coisa para fazer. Sinto   como se estivesse sempre puxando o meu cérebro de volta ao texto. A leitura profunda, que sempre vinha naturalmente, tornou-se uma luta.

Os   ganhos   são reais,   mas têm seu   preço.Como McLuhan sugeriu, as mídias não são apenas canais de informação. Elas fornecem o material do pensamento,   mas também moldam o processo de pensamento. E o que a Web parece estar fazendo é enfraquecer aos poucos   minha capacidade de concentração e de contemplação. Não importa se estou online  ou não, minha mente   agora espera assimilar a informação do mesmo jeito como a Internet a distribui: num fluxo de partículas que se deslocam  rapidamente. Antes eu era um mergulhador no mar das palavras. Hoje eu apenas surfo na superfície, como alguém num jet ski.

Para   Davis,   “a Internet   pode até ter-me tornado um leitor menos paciente, mas acho que de muitas   maneiras tornou-me mais inteligente. Ter mais conexões com documentos,   artefatos e pessoas significa ter mais influências externas para meu pensamento e,   portanto, para meus textos”. Todos os três admitem ter sacrificado algo importante, mas não cogitam voltar para o modo como as coisas eram antes.

Para algumas pessoas, a própria ideia de ler um   livro parece antiquada, talvez até um pouco boba, tal como costurar a própria camisa ou cozinhar a própria comida. “Eu não leio livros”, diz Joe O’Shea,   um ex-presidente do corpo estudantil da Universidade da Flórida e um ganhador da bolsa de estudos Rhodes. “Uso o Google e obtenho rapidamente informações pertinentes”. O’Shea, aluno de filosofia,   não vê nenhuma razão para estudar capítulos de textos quando basta um minuto ou dois para escolher as passagens relevantes utilizando o Google Book Search. “Sentar-me e ler   um livro de capa a capa não faz sentido”, diz. “Não considero um bom uso do meu tempo, já que posso obter todas as informações de que preciso mais rapidamente na web”. Assim que se aprende a ser“um caçador experiente” on-line, segundo ele,  os livros tornam-se supérfluos.

As pessoas usam a Internet das mais variadas maneiras.  Algumas são ansiosas, usam compulsivamente as últimas tecnologias. Mantêm contas em uma   dúzia de serviços online e inscrevem-se em dezenas de serviços de notícias. Blogam e usam tags,   mandam torpedos e tuítam. Outras não se importam muito de estar na vanguarda, mas ainda assim ficam online a maior parte   do tempo,digitando no computador, notebook ou telefone celular. A Internet tornou-se essencial para o trabalho, escola ou vida social, e até para os três. Já outras pessoas se conectam poucas vezes por dia, seja   para checar seus e-mails, acompanhar uma notícia, pesquisar um tópico de interesse, ou fazer compras. E há, claro, muitos que nem usam a Internet, ou porque não podem pagar ou porque não   querem.  O  que está claro, entretanto, é que para a sociedade como um todo a Internet tornou-se, em apenas vinte anos, desde que o programador Tim Berners-Lee escreveu o código para a World Wide Web, a principal   mídia comunicativa e informativa.

Nos últimos cinco séculos, desde que a prensa de Gutenberg tornou a leitura popular, a mente linear e literária tem estado no centro da arte, da ciência   e  da  sociedade.  Tão flexível  quanto sutil, ela foi a mente criativa do Renascimento, a mente racional do Iluminismo, a mente inventiva da Revolução Industrial, até a mente subversiva do Modernismo. Mas logo poderá ser a mente de ontem.

O computador, comecei a perceber, era mais que apenas uma ferramenta que fazia o que a gente mandasse fazer. Era uma máquina que, de maneira sutil   e inconfundível, exercia influência sobre agente. Quanto mais o usava, mais ele mudava meu modo de trabalhar. No começo achava impossível editar   qualquer coisa na tela. Imprimia os documentos, marcava com lápis e digitava as revisões de volta no computador. Então, imprimia novamente e passava de novo o lápis. Fazia isso uma dúzia   de vezes. Mas em algum momento, de repente, minha rotina de edição mudou. Achei que não conseguia mais escrever ou rever qualquer coisa no papel. Senti-me perdido sem a tecla DEL, a  barra   de  rolagem, as funções  de  cortar  e  colar, sem o comando Desfazer. Tinha que editar na tela. Ao utilizar o processador de texto, eu mesmo havia me tornado uma espécie de processador de texto.

Você  sabe  o resto  da  história,  porque  a  sua deve ter sido assim também. Chips cada vez mais rápidos. Modems mais rápidos.

DVDs e gravadores de DVD, discos rígidos do tamanho de Gigabytes. Yahoo e Amazon e eBay. MP3s. Streaming de vídeo. Banda Larga. Napster e Google. Blackberrys e iPods. As redes Wi-fi. YouTube e Wikipedia.   Os blogs e microblogs. Smartphones, pendrives, netbooks. Quem poderia resistir? Eu mesmo não.

Em 2007, uma serpente de dúvida surgiu no meu infoparaíso. Comecei a notar que a Internet estava exercendo uma influência muito mais forte e ampla sobre mim do que meu velho PC. Não era certo   gastar tanto tempo olhando uma tela de computador. Não era certo mudar tantos hábitos e rotinas à medida que ficava mais acostumado e dependente de sites e serviços da web. O próprio modo de funcionar do meu cérebro parecia estar mudando. Foi então que comecei a me preocupar com a incapacidade de prestar atenção a qualquer coisa   por mais de um minuto. No começo imaginei que fosse um sintoma da meia-idade. Mas meu cérebro, percebi depois, não estava apenas à deriva. Estava com fome. Estava exigindo ser alimentado como a Internet o alimentava – e quanto mais ingeria, mais ficava faminto. Mesmo quando estava longe do computador, eu ansiava por checar   os e-mails, clicar nos links, pesquisar no Google. Eu queria estar conectado.

Senti falta do meu antigo cérebro.

Capítulo 3. FERRAMENTAS PARA A MENTE

Nosso   amadurecimento   intelectual como indivíduos pode ser medido pela forma como desenhamos   imagens, ou mapas, de nossa região. Começamos com esboços primitivos   e literais do que vemos ao redor, e avançamos até representações cada vez mais precisas e abstratas do espaço geográfico e topográfico. Progredimos, em outras palavras, do desenho do que vemos para o desenho do que conhecemos.

Vincent Virga, um especialista em cartografia afiliado à Biblioteca do Congresso, observa que as etapas do desenvolvimento de nossas   habilidades de cartografia assemelham-se aos estágios do desenvolvimento cognitivo infantil delineados pelo psicólogo suíço Jean Piaget. Passamos da percepção infantil do mundo, egocêntrica e puramente   sensorial, para a análise juvenil da experiência, mais abstrata e objetiva. E, finalmente,   um ‘realismo’ visual   aparece, [com o uso de] cálculos científicos para alcançá-lo”.

Ao passar pelo processo de amadurecimento intelectual, estamos vivenciando toda a história da cartografia.   Os primeiros mapas da humanidade, riscados no chão com um pau ou esculpidos em uma pedra por outra pedra, eram tão rudimentares quanto os rabiscos de um bebê. Com o tempo, os desenhos tornaram-se mais realistas, delineando as proporções   reais do espaço, que muitas vezes se estendia muito além do que os olhos podiam ver. Quanto mais o tempo passava, o realismo tornava-se científico tanto na precisão quanto na abstração.

O   cartógrafo   começou a usar   ferramentas sofisticadas,  como a bússola e  o teodolito para medir ângulos, e a contar com cálculos e fórmulas matemáticas. Finalmente, em um salto intelectual posterior, os  mapas  passaram  a ser usados  não apenas para representar vastas regiões da Terra ou dos céus nos mínimos   detalhes, mas para expressar ideias – um plano de batalha, uma análise da propagação de uma epidemia, uma previsão de crescimento da população. “O processo intelectual de transformar experiência em espaço em abstração do espaço é uma revolução no modo de pensar”, segundo Virga.

O que o mapa fez pelo espaço – traduzir um fenômeno natural numa concepção artificial e intelectual, uma outra tecnologia, o relógio mecânico, fez pelo tempo. Na maior parte da história humana, as pessoas viam o tempo como um fluxo contínuo e cíclico. De certa maneira, o tempo era “mantido”, o que era feito por instrumentos que enfatizavam esse   processo natural: relógios de sol cujas sombras se moviam, ampulhetas por onde a areia caía, clepsidras por onde a água corria. Isso começou a mudar na segunda metade da Idade Média. As primeiras pessoas a procurar uma medição mais precisa do tempo foram os monges cristãos, cuja vida girava em torno de uma agenda rigorosa de orações.

O   desejo   pela cronometragem   precisa espalhou-se para fora do mosteiro. As cortes reais e os nobres da Europa, repleta de riquezas e valorizando os dispositivos mais recentes e engenhosos, começaram a cobiçar os relógios e investir no seu aperfeiçoamento   e fabricação.

O relógio mecânico mudou a maneira como nos   vemos. E, como o mapa, mudou a maneira como   pensamos. Quando o relógio redefiniu o tempo como   uma série de unidades de igual duração, nossa mente   começou a enfatizar o trabalho metódico mental de divisão   e medição. Começamos a ver, em todas as coisas e fenômenos, as peças que compunham o todo, e então começamos   a ver as peças da qual as peças são feitas. Nosso pensamento ficou aristotélico em sua ênfase em   discernir os padrões abstratos por trás das superfícies visíveis do mundo material. O relógio desempenhou um papel crucial em tirar-nos da Idade Média e levar-nos ao Renascimento e ao Iluminismo. Em Técnicas e Civilização, sua meditação de 1934 sobre as consequências da tecnologia nos homens, Lewis Mumford descreveu como o relógio “ajudou a criar a crença em um mundo independente   de sequências matematicamente mensuráveis”. A “ideia abstrata do tempo dividido” tornou-se “o  ponto  de referência  para  a  ação  e  o pensamento”. Independente das questões práticas que inspiraram a criação dos relógios e guiaram seu uso diário, o tique metódico ajudou a surgir a mente científica e o homem de ciência.

Toda tecnologia é uma expressão da vontade humana.   Com nossas ferramentas, buscamos ampliar nosso poder e controle sobre as circunstâncias –   a natureza, o tempo, a distância, um sobre o outro. Nossas tecnologias podem ser   divididas, como completam ou ampliam nossas  capacidades nativas. Um conjunto, que abrange o arado,   a agulha de costura e o caça, amplia nossa força física, destreza ou flexibilidade. Um segundo conjunto, que inclui o microscópio, o amplificador e o contador Geiger, amplia o alcance e a sensibilidade de nossos sentidos. Um terceiro grupo, que vai   das tecnologias como o açude e a pílula anticoncepcional ao milho  geneticamente modificado, permite-nos mudar a natureza para melhor servir nossas necessidades e desejos.

Embora o uso de qualquer tipo de ferramenta possa influenciar nossos pensamentos   e perspectivas – o arado mudou a visão do agricultor,  o  microscópio   abriu novos mundos de exploração mental para o cientista, são nossas tecnologias intelectuais que têm o poder maior e mais duradouro sobre o quê e como pensamos. São nossos instrumentos mais íntimos, os que usamos para nos autoexprimir, para formar a identidade pública e pessoal e para cultivar relações com os outros.

O que Nietzsche percebeu ao datilografar em sua máquina de escrever – que as ferramentas que usamos   para escrever, ler, trabalhar e manipular nossas mentes trabalham com elas – é um   tema central da história intelectual e cultural. Como as histórias do mapa e do relógio bem ilustram,   as tecnologias intelectuais, quando caem no gosto popular, muitas vezes promovem à população em geral novas formas de pensar ou estender as formas tradicionais   de pensar antes limitadas a uma pequena elite. Em outras palavras, toda tecnologia intelectual incorpora uma ética intelectual, um conjunto de suposições   sobre como a mente humana funciona ou deveria funcionar.

Geralmente   os usuários   da tecnologia   também são alheios   a sua ética. Também   estão preocupados com os  benefícios  práticos obtidos  com o uso da ferramenta.   Nossos antepassados não desenvolveram ou   utilizaram os mapas para reforçar sua capacidade   de pensamento conceitual ou para revelar as estruturas ocultas do mundo. Nem fabricaram   os relógios mecânicos para estimular a adoção de um modo mais científico de   pensar. Aqueles eram subprodutos das tecnologias. Mas que subprodutos! Em última instância,   é a ética intelectual de uma invenção que tem o efeito mais profundo em nós. A ética intelectual é a mensagem que um meio ou outra ferramenta transmite para as mentes e a cultura de seus usuários.

Durante séculos, historiadores e filósofos têm traçado   e debatido o papel da tecnologia na formação   da civilização.  Alguns argumentaram o que o sociólogo   Thorstein Veblen chamou de “determinismo tecnológico”.

Nosso papel essencial é produzir   ferramentas cada vez mais sofisticadas para “fertilizar” as máquinas como as abelhas fecundam as plantas – até que a tecnologia desenvolva a capacidade de se reproduzir por conta própria. Nesse ponto, nós seremos dispensáveis.

No outro extremo estão os instrumentalistas –pessoas que, como David Sarnoff, minimizam o poder da tecnologia, crendo que as ferramentas são artefatos neutros, totalmente subservientes aos desejos conscientes de seus usuários. Nossos instrumentos   são os meios que usamos para alcançar nossos objetivos, pois não tem fins próprios. O instrumentalismo é a opinião mais difundida da tecnologia, não menos porque é a visão que preferimos que seja a verdadeira. A ideia de que somos de   alguma forma controlados por nossas ferramentas é um anátema para a maioria das pessoas. “Tecnologia é tecnologia”, declarou o crítico de mídia James Carey, “é um meio de comunicação e de transporte sobre o espaço, e nada mais”.

Mas se for tomada uma visão mais histórica ou social, as  alegações dos deterministas  ganham credibilidade. Embora os indivíduos e as comunidades   possam tomar decisões muito diferentes sobre quais   ferramentas usar,  isso não  quer dizer que, como espécies,   tivemos controle sobre o caminho ou o ritmo do progresso   tecnológico. É difícil acreditar que “escolhemos” usar mapas e relógios   (como se tivéssemos escolha). É ainda mais difícil aceitar que “escolhemos”   a gama de efeitos colaterais de tais tecnologias, muitos dos quais, como vimos, foram totalmente inesperados quando   a tecnologia entrou em uso.

O   conflito   entre deterministas   e instrumentistas nunca será resolvido. Trata-se, afinal, de duas visões   radicalmente diferentes da natureza e do destino da humanidade. O debate é tanto sobre a fé quanto  sobre a  razão.  Mas    uma  coisa  em  que ambos concordam: os avanços tecnológicos muitas vezes marcam momentos   decisivos na história.

O que tem sido mais difícil de discernir é a influência   das tecnologias, especialmente as intelectuais, sobre o funcionamento do cérebro humano.   Podemos ver os produtos do pensamento – obras de arte, descobertas científicas,   símbolos preservados em documentos, mas não o próprio pensamento. Há uma abundância   de organismos fossilizados, mas nenhum fóssil de mente. “Feliz e calmamente eu desdobraria uma história natural do intelecto”, escreveu Emerson em 1841, “mas qual homem   já foi capaz de marcar as etapas e os limites daquela essência transparente?”

Sabemos   que a forma   básica do cérebro humano   não mudou muito nos últimos quarenta mil anos. A evolução, ao nível genético, prossegue com   deslumbrante lentidão, pelo menos quando medido pela concepção   humana de tempo. Mas sabemos também que a forma de pensar e agir dos seres   humanos mudou bastante através dos milênios.

Embora   o funcionamento   de nossa massa cinzenta   ainda esteja fora do alcance   das ferramentas dos arqueólogos, hoje sabemos não só que é   provável que o uso de tecnologias intelectuais tenham (re)modelado o circuito em nossas cabeças, mas que tinha de ser assim. Qualquer experiência repetida   influencia nossas sinapses, as mudanças provocadas pelo uso recorrente das ferramentas que estendem ou complementam nosso sistema nervoso  devem   ser particularmente acentuadas.

O   processo   da nossa   adaptação mental   e social às novas tecnologias intelectuais se reflete, e são   reforçadas, pelas metáforas inconstantes que usamos para descrever e explicar o funcionamento da   natureza. Assim que os mapas se tornaram todos os tipos de relações naturais e sociais seriam mapeáveis, como um conjunto de elementos fixos, arranjos delimitados no espaço real ou figurativo.

A linguagem em si não é uma tecnologia. É algo   natural na nossa espécie. Nossos cérebros   e corpos evoluíram para falar e ouvir palavras. Uma criança   aprende a falar sem instrução, como um bebê pássaro   aprende a voar.  Como a  leitura e a escrita se tornaram   tão importantes para a nossa identidade e nossa cultura, é   fácil supor que também sejam talentos inatos. Mas não são. Ler e escrever   não são ações naturais, só são possíveis pelo desenvolvimento intencional do alfabeto e de muitas   outras tecnologias. Nossas mentes têm de ser ensinadas a traduzir os caracteres simbólicos que vemos na língua que entendemos. A leitura e a escrita   exigem aprendizagem e prática, a deliberada formação do cérebro.

Experimentos   revelaram que   os cérebros de pessoas   alfabetizadas diferem dos   cérebros dos analfabetos  em muitos  aspectos, não só na forma como eles entendem   a linguagem, mas em como processam os sinais visuais, raciocinam e formam suas   memórias. Já foi mostrado que “aprender a ler”, relata a psicóloga mexicana Feggy Ostrosky-Solís,   “modela vigorosamente os sistemas neuro-psicológicos.” Exames de mapeamentos cerebrais revelaram   também que as pessoas cuja língua escrita usa símbolos logográficos, como o chinês, desenvolvem um circuito mental para a leitura que é consideravelmente diferente dos circuitos encontrados   em pessoas cuja língua escrita utiliza um alfabeto fonético.

A  tecnologia   da escrita   deu um importante passo por volta do quarto milênio antes de Cristo.

Nessa   época, os   sumérios, habitantes   da região entre os rios Tigre e Eufrates, onde hoje se localiza o Iraque, começaram a escrever com um sistema de símbolos   em forma de cunha, chamado cuneiforme, enquanto a alguns milhares de quilômetros a oeste, os egípcios desenvolviam a abstrata ideia dos   hieroglifos, para representar objetos e ideias.

Como   os sistemas   cuneiforme e hieróglifo   incorporavam muitos caracteres logossilábicos, denotando não só coisas mas sons, exigia-se bem mais do cérebro   que apenas pedrinhas para contar suprimentos. Antes de se poder interpretar o significado de um caractere,   tinha-se de analisar o próprio caractere para saber como ele estava sendo usado.

Para   a tecnologia   da escrita progredir   para além dos modelos sumérios   e egípcios, para que se tornasse   uma ferramenta usada por muitos e   não por uma minoria, teria de tornar-se   bem mais simples.

Isso   não aconteceu   até bem recentemente, por volta de 750 aC, quando os gregos inventaram o   primeiro alfabeto fonético completo. Ele teve muitos precursores, particularmente   o sistema de letras desenvolvido pelos fenícios alguns séculos antes, mas os linguistas geralmente concordam que foi o alfabeto grego o primeiro a incluir caracteres representando   sons vocálicos e consoantes.
O   alfabeto   grego passou   a ser um modelo para     a   maioria   dos   alfabetos ocidentais subsequentes, incluindo o   alfabeto romano, que ainda hoje utilizamos.   Seu surgimento marcou o início de uma das   revoluções de mais longo alcance na história intelectual: a passagem de uma cultura   oral, na qual o conhecimento era compartilhado principalmente pela fala, para uma cultura   literária, em que a escrita se tornou o principal meio de expressão do pensamento.   Foi uma revolução que mais tarde mudaria as vidas e os cérebros de quase todos na Terra, mas a transformação  não  foi bem  vinda por  todos,  pelo menos não ao início.

Quem confiar na escrita para obter conhecimento “parecerá saber muito, enquanto na maior parte não sabe nada”. Será “preenchido, não com sabedoria, mas com o conceito de sabedoria.”

Sócrates admite que há benefícios práticos   na captura do pensamento pela escrita “como ajuda contra o esquecimento próprio   da velhice” – mas argumenta que depender da tecnologia   do alfabeto alterará a mente das pessoas, e não para melhor.

Com a substituição das memórias internas   por símbolos externos, a escrita ameaça tornar-nos   pensadores superficiais, diz ele, impedindo-nos de atingir a profundidade intelectual que nos leva à sabedoria e à verdadeira felicidade.

Em   uma cultura   puramente oral,   o pensamento é regido pela capacidade da memória humana. O conhecimento é o que se consegue lembrar, e o que se lembra é limitado ao que se pode guardar na   mente. Através dos milênios de história pré-alfabetizada, a linguagem evoluiu para ajudar o armazenamento de informações complexas em memória   individual e tornar mais fácil a troca de informações com outras pessoas através da fala.

Mas, intelectualmente, a cultura oral de nossos antepassados   foi, em muitos aspectos, mais rasa que a nossa. A palavra escrita livrou o conhecimento dos limites da memória individual e libertou a linguagem das estruturas rítmicas e mecanizadas necessárias à memorização e à recitação. Abriu à mente novas   e amplas fronteiras do pensamento e da expressão. “As conquistas do  mundo ocidental, é óbvio, são testemunho dos tremendos valores da alfabetização”, escreveu McLuhan.

Mas a alfabetização “é plenamente necessária   para o desenvolvimento não só da ciência, mas também da história, da filosofia, da compreensão detalhada da literatura e de qualquer arte, e, de fato para a explicação da linguagem em si (inclusive a fala)”. A habilidade de escrever é “imperiosamente inestimável e de fato essencial para a realização dos potenciais humanos mais íntimos e completos”, concluiu. “Escrever eleva a consciência”.

Sobre “Filtros – Bolha: O Que a Internet Está Escondendo de Você”, de Eli Pariser.

Eli Pariser - The Filter BubbleUm autor hoje famoso por praticamente “prever” as discutidas vitórias da campanha “Brexit” e do presidente Donald Trump, Eli Pariser foi um dos iniciadores da convivência e os contatos em forma de redes sociais. Desde 2004 ele coordena a plataforma MoveOn.org, voltada à mobilização política que, estrategicamente, movimenta informações e metodologias de produção, tais como o “crowdfounding”, que foi copiado no mundo todo.

Leia aqui uma recente entrevista que o tecnólogo deu ao jornal espanhol El País, onde ele explica as manipulações de dados das quais foram acusados Facebook e Google.

“A corrida pela relevância” intitula-se o primeiro capítulo do seu mais famoso livro, chamado “Filtros-Bolha: o que a internet está escondendo de você”. Dele, extraímos os que consideramos seus principais parágrafos, os quais concentram a teoria do isolamento individual e a manipulação da verdade, no mundo conectado e globalizado de hoje.

A corrida pela relevância

Com o aumento do número de canais, o método habitual de mudar de um para outro estava ficando cada vez mais frustrante. Percorrer a programação de cinco canais é uma coisa. Com quinhentos canais, a coisa muda de figura. E quando o número chega a 5 mil – aí o método se torna inútil.

“A chave para o futuro da televisão”, escreveu, “é pararmos de pensar na televisão como uma televisão” e começarmos a pensar nela como um aparelho com inteligência. Os consumidores precisavam era de um controle remoto que controlasse a si mesmo, um auxiliar inteligente e automatizado que aprendesse a que cada pessoa assistia e então selecionasse os programas relevantes para ela. “Os aparelhos de TV atuais permitem que controlemos o brilho, o volume e o canal”, escreveu Negroponte. “Os aparelhos do futuro permitirão que escolhamos entre sexo, violência e questões políticas.”

Na verdade, esses agentes não precisariam se limitar à televisão; como ele sugeriu ao editor da nova revista de tecnologia Wired, “os agentes inteligentes são o futuro inequívoco da computação”.

Todos estavam desesperados para criar um produto “inteligente”. Em Redmond, a Microsoft Ulançou o Bob – um sistema operacional inteiramente baseado no conceito de agente, representado por um personagem estilizado com estranha semelhança com Bill Gates. Em Cupertino, quase exatamente uma década antes do iPhone, a Apple lançou o Newton, um “assistente informático pessoal” cujo principal atrativo era o agente escondido por trás do visor bege. Os novos produtos inteligentes fracassaram rotundamente. Em grupos de bate-papo e listas de e- mail, zombar do Bob era um dos passatempos preferidos. Os usuários não suportavam aquele sistema. A PC World classificou-o como um dos 25 piores produtos tecnológicos de todos os tempos. E o Newton, da Apple, não foi mais feliz: a companhia investiu mais de 100 milhões de dólares para desenvolver o produto, mas as vendas foram fracas em seus primeiros seis meses de existência. Quem interagia com os agentes inteligentes em meados dos anos 1990 logo percebia o problema: os sistemas não eram assim tão inteligentes.

Sob a superfície de todos os sites que visitamos, existem agentes inteligentes pessoais. Eles se tornam mais inteligentes e potentes a cada dia que passa, acumulando informações sobre quem somos e sobre os nossos interesses. Seguindo a previsão de Lanier, os agentes não trabalham só para nós: também trabalham para gigantes do software como o Google, apresentando-nos propaganda além de conteúdo. Os novos agentes não têm a cara estilizada do Bob, mas determinam proporção cada vez maior da nossa atividade on-line.

 

O problema de John Irving

Em 1994, quando ainda era um jovem cientista da computação trabalhando para firmas de Wall Street, Bezos foi contratado por um capitalista de risco para criar ideias de negócios no florescente espaço virtual. Trabalhando metodicamente, criou uma lista com vinte produtos que a equipe supostamente poderia vender on-line – música, roupas, aparelhos eletrônicos – e investigou a dinâmica de cada indústria. Os livros começaram no final da lista, mas, quando Bezos chegou às conclusões finais, ficou surpreso ao ver que estavam no topo.

Bezos começou a pensar em máquinas capazes de aprender. Era um desafio e tanto, mas um grupo de engenheiros e cientistas vinha trabalhando na questão desde a década de 1950, em instituições de pesquisa como o MIT e a Universidade da Califórnia, em Berkeley. A área se chamava “cibernética” – uma palavra retirada dos escritos de Platão, que a criou para denotar um sistema autorregulado, como uma democracia. Para os primeiros estudiosos da cibernética, não havia nada mais emocionante do que construir sistemas capazes de se auto-ajustar, com base na retro-alimentação. Nas décadas seguintes, esses estudiosos estabeleceram as bases matemáticas e teóricas que guiariam boa parte do crescimento da Amazon.

No entanto, quando a Amazon foi lançada, em 1995, tudo mudou. Desde o início, a Amazon foi uma livraria que já vinha personalizada. Examinando os livros que as pessoas compravam e usando métodos de filtragem colaborativa desenvolvidos no Parc, a Amazon fazia recomendações instantâneas (Ah, você está comprando Introdução à esgrima para pessoas desajeitadas? Que tal comprar Acordar cego: ações judiciais por lesões oculares?). Além disso, investigando os produtos que cada usuário comprava ao longo do tempo, a Amazon começou a identificar aqueles com preferências similares (pessoas com gostos semelhantes ao seu compraram um dos novos lançamentos desta semana, En Garde!). Quanto mais pessoas compravam livros na Amazon, melhor funcionava a personalização.

Na Amazon, a busca de mais dados sobre o usuário é interminável: quando você lê um livro em seu Kindle, os dados sobre as frases que realçou, as páginas que virou e se começou a leitura do início ou preferiu antes folhear o livro são todos enviados de volta aos servidores da Amazon, sendo então usados para indicar quais livros você talvez leia a seguir. Quando nos conectamos depois de um dia inteiro na praia lendo e-books num Kindle, a Amazon adapta sutilmente seu site segundo aquilo que lemos: se passamos muito tempo lendo a última obra de James Patterson, mas só corremos os olhos por nosso novo guia de dietas, talvez recebamos mais sugestões de livros de aventura e menos de livros de saúde.

 

Indicadores de cliques

Na época em que a nova empresa de Jeff Bezos começava a decolar, Larry Page e Sergey Brin, os fundadores do Google, estavam ocupados escrevendo suas teses de doutorado em Stanford. Eles sabiam do sucesso da Amazon – em 1997, a bolha das empresas “ponto com” estava em seu ápice, e a Amazon, pelo menos no papel, valia bilhões. Page e Brin eram matemáticos talentosos; Page, em particular, era obcecado por inteligência artificial (IA).

Page bolou um método inovador e, com sua predileção geek por trocadilhos, chamou-o PageRank. Naquela época, a maioria dos mecanismos de busca da internet selecionava as páginas usando palavras-chave; esses métodos eram muito ineficazes na tentativa de adivinhar que página era a mais relevante para uma determinada palavra. Num artigo escrito em 1997, Brin e Page comentaram ironicamente que três dos quatro principais mecanismos de busca não conseguiam encontrar a si mesmos. “Queremos que a nossa noção de ‘relevante’ inclua apenas os melhores documentos”, escreveram, “pois pode haver dezenas de milhares de documentos ligeiramente relevantes.”

Page percebeu que, dentro da estrutura de links da internet, havia muito mais dados do que os que eram usados pelos mecanismos de busca. Quando uma página incluía um link para outra, isso podia ser considerado um “voto” para a segunda página. Em Stanford, Page vira seus professores contarem quantas vezes seus artigos científicos haviam sido citados, o que funcionava como um índice geral da importância de cada artigo. Percebeu, então, que, da mesma forma que os artigos acadêmicos, as páginas citadas por muitas outras páginas – por exemplo, a página inicial do Yahoo – supostamente seriam mais “importantes”, e as páginas nas quais essas páginas votavam teriam mais relevância. O processo, argumentou Page, “utiliza a estrutura democrática que só existe na internet”.

Desde o início, Page e Brin perceberam que alguns dos indicadores mais importantes eram gerados pelos usuários do mecanismo de busca. Por exemplo, se alguém pesquisasse “Larry Page” e clicasse no segundo resultado da pesquisa, esse era outro tipo de voto: sugeria que o segundo resultado era mais importante para o usuário do que o primeiro. Isso foi chamado indicador de clique. “Para algumas das pesquisas mais interessantes”, observaram Page e Brin, “será preciso aproveitar a enorme quantidade de dados de uso disponíveis nos modernos sistemas de rede – é muito difícil obter esses dados, principalmente porque são vistos como produtos com valor comercial.” Eles logo poriam as mãos num dos maiores estoques do mundo desses produtos.

O desafio era obter dados suficientes para desvendar o que era individualmente relevante para cada usuário. É bastante difícil entender o que uma pessoa quer dizer com uma dada palavra – e, para que o processo seja eficaz, é preciso conhecer o comportamento da pessoa ao longo de um período prolongado.

Mas como? Em 2004, o Google bolou uma estratégia inovadora. Começou a oferecer outros serviços, que exigiam que as pessoas se conectassem às suas contas de usuário. O Gmail, seu serviço de e-mail incrivelmente popular, foi um dos primeiros a ser lançado. A imprensa falou muito dos anúncios apresentados na lateral do Gmail, mas é pouco provável que esses anúncios fossem o único motivo para o lançamento do serviço.
Hoje em dia, o Google monitora todo e qualquer sinal que consiga obter sobre nós. Não devemos subestimar a força desses dados: se o Google souber que eu me conectei de Nova York, depois de São Francisco e depois de Nova York outra vez, saberá que sou um viajante frequente e irá ajustar seus resultados a partir daí. Examinando o navegador que utilizo, poderá ter uma ideia da minha idade e talvez até da minha posição política.

Mesmo que não estejamos conectados à nossa conta de usuário, o Google personaliza os resultados de nossas pesquisas. O site sabe de que bairro – e até mesmo de que quarteirão – estamos conectados, e isso revela muito sobre quem somos e no que estamos interessados. Uma pesquisa com o termo “Sox” vinda de Wall Street provavelmente indica a sigla da instituição financeira Sarbanes Oxley; se vier de Chicago, provavelmente se refere ao time de beisebol White Sox.

 

Facebook por toda parte

É claro que o Facebook não foi a primeira rede social: enquanto Zuckerberg varava madrugadas trabalhando em sua criação, um site difícil chamado MySpace, direcionado à música, começava a fazer grande sucesso; antes do MySpace, o Friendster captara por um breve instante a atenção do mundo virtual. Mas o site que Zuckerberg tinha em mente era diferente. Não seria um modesto site de namoros, como o Friendster. Além disso, ao contrário do MySpace, que encorajava as pessoas a fazer contato mesmo que não se conhecessem, o Facebook aproveitava as relações sociais existentes na vida real. Comparado a seus predecessores, o Facebook era mais minimalista: a ênfase estava na informação, e não em gráficos extravagantes ou numa atmosfera cultural. “Somos um serviço público”, diria Zuckerberg mais tarde. O Facebook era mais parecido com uma companhia telefônica do que com uma discoteca; era uma plataforma neutra para a comunicação e a colaboração.

No início, o Feed de Notícias mostrava quase tudo que nossos amigos faziam no site. No entanto, quando o volume de postagens e amigos aumentou, ler ou gerir o Feed tornou-se impossível. Mesmo que tivéssemos apenas cem amigos, era um volume grande demais.

A solução do Facebook foi o EdgeRank, o algoritmo por trás da página inicial do site, que traz as Principais Notícias. O EdgeRank classifica todas as interações ocorridas no site. A matemática é complicada, mas a ideia básica é bastante simples, baseando-se em três fatores. O primeiro é a afinidade: quanto mais próxima a nossa amizade com alguém – o que é determinado pelo tempo que passamos interagindo com a pessoa e investigando seu perfil –, maior será a probabilidade de que o Facebook nos mostre suas atualizações.

Ainda assim, todos ficaram surpresos quando, em 21 de abril de 2010, os leitores abriram a página do jornal Washington Post e encontraram seus amigos ali. Num quadro chamativo situado no canto superior direito – o local por onde, como qualquer editor sabe, os leitores passam os olhos primeiro – havia um aplicativo chamado Notícias em Rede. Cada pessoa que visitava a página via um conjunto diferente de links nesse quadro – os links para o Washington Post compartilhados por seus amigos no Facebook. O jornal havia permitido que o Facebook editasse seu bem mais valioso no ambiente on-line: sua primeira página. O New York Times logo fez o mesmo.

O objetivo do Facebook Everywhere era simples: fazer com que toda a rede se tornasse “social”, levando a personalização no estilo Facebook a milhões de sites não personalizados. Quer saber que músicas seus amigos do Facebook estão ouvindo? Agora o Pandora vai lhe dizer. Quer saber de que restaurantes seus amigos gostam? O Yelp tem a resposta. Sites de notícias, do Huffington Post ao Washington Post, agora são personalizados.

Os dois gigantes se encontram agora num combate direto: o Facebook adquire importantes executivos do Google; o Google está trabalhando firme para construir programas de relacionamento social como o Facebook. No entanto, o motivo pelo qual esses dois colossos da mídia digital estão em guerra não é inteiramente claro: afinal, o Google tem como objetivo principal responder a perguntas; a missão do Facebook é ajudar as pessoas a se conectar com seus amigos.

Do ponto de vista do anunciante on-line, a questão é simples: qual empresa irá gerar o maior retorno por cada dólar investido? É aí que a relevância entra na equação. As massas de dados acumuladas pelo Facebook e pelo Google têm dois propósitos: para os usuários, os dados são a chave para a oferta de notícias e resultados pessoalmente relevantes; para os anunciantes, os dados são a chave para encontrar possíveis compradores. A empresa que tiver a maior quantidade de informações e souber usá-las melhor ganhará os dólares da publicidade.

A briga entre Google e Facebook depende de qual dos dois conseguirá reter o maior número de usuários.

A dinâmica do aprisionamento é descrita pela lei de Metcalfe, um princípio cunhado por Bob Metcalfe, inventor do protocolo Ethernet que conecta computadores. A lei diz que a utilidade de uma rede aumenta cada vez mais rápido sempre que acrescentamos uma nova pessoa à rede.

Quanto mais aprisionados estiverem os usuários, mais fácil será convencê-los a se conectar às suas contas – e quando estamos constantemente conectados, essas empresas continuam a rastrear dados a nosso respeito mesmo quando não visitamos seus sites. Se estivermos conectados no Gmail e visitarmos um site que utilize o serviço de anúncios Doubleclick, da Google, esse dado será associado à nossa conta no Google. Além disso, com os cookies de rastreamento que esses serviços instalam em nossos computadores, o Facebook e o Google conseguem usar nossas informações pessoais para nos fornecer anúncios em sites de terceiros. Toda a rede pode se transformar numa plataforma para o Google ou o Facebook.

 

O mercado de dados

A Acxiom não faz muito estardalhaço – o fato de ter um nome quase impronunciável talvez não seja coincidência. Mas presta serviços à maioria das grandes empresas nos Estados Unidos – entre elas, nove das dez maiores empresas de cartões de crédito e marcas, da Microsoft à Blockbuster. “Pense na [Acxiom] como uma fábrica automatizada”, disse um programador a um repórter, “na qual o produto fabricado são dados.”

A outra é muito menos evidente. Quando buscamos um voo, o Kayak instala um cookie em nosso computador – um pequeno arquivo que funciona basicamente como colocar um adesivo em nossa testa com a frase “Fale-me de viagens baratas de Nova York a São Francisco”. O Kayak pode então vender essa informação a uma empresa como a Acxiom ou a BlueKai, sua rival, que o leiloa à empresa que fizer a melhor oferta – nesse caso, uma grande companhia aérea como a United Airlines. Quando souber o tipo de viagem em que estamos interessados, a United poderá nos mostrar anúncios de voos relevantes – não só no site do Kayak, mas literalmente em quase qualquer site que visitemos em toda a internet. Todo esse processo – da coleta dos nossos dados à venda para a United Airlines – leva menos de um segundo.

Os defensores dessa prática a chamam de “redirecionamento comportamental”. Os comerciantes observaram que 98% dos visitantes de sites de compras on-line deixam o site sem comprar nada. O redirecionamento faz com que as empresas já não tenham que aceitar um “não” como resposta.

Por ora, o redirecionamento está sendo usado apenas por anunciantes, mas não há nada que impeça os editores e provedores de conteúdo de fazer o mesmo. Afinal, se o jornal Los Angeles Times souber que você é fã do blogueiro Perez Hilton, poderá apresentar uma entrevista com ele na primeira página da sua edição pessoal, o que aumentará a chance de que você permaneça no site e clique por aí.

A busca da relevância gerou os gigantes da internet de hoje e está motivando as empresas a acumular cada vez mais dados sobre nós e a usá-los para adaptar secretamente nossas experiências on-line. Está transformando o tecido da rede. Porém, como veremos, as consequências da personalização sobre o modo como consumimos notícias, como tomamos decisões políticas e até como pensamos serão ainda mais drásticas.

 

 

 

Sobre “O Culto do Amador”, de Andrew Keen.

Um livro que tem despertado inúmeros debates e intensas polémicas no mundo todo, “O Culto do Amador” expõe uma perspectiva crítica e uma visão desconfiada do mundo digital, considerando, principalmente, o fatio de tratar-se de um mega-espaço de comunicação onde qualquer usuário pode participar, contribuir e expressar-se.culto-do-amador-imagem

Keen é um tecnólogo, empresário, professor e escritor metade britânico e metade estadunidense, que tem desenvolvido uma série de teorias contra o uso indiscriminado da internet na era da “Web 2.0”. Formado em História pela London University e com diversas especializações, ele tem sido amplamente criticado por diversos setores sociais do globo, ao tempo que suas teses tem desmistificado  ideia benevolente da rede virtual.

O seu livro mas popular é “O Culto do Amador”, publicado em 2007, ao que seguiram outros tais como “Vertigem Digital” (2012) e “A internet não é a resposta” (2015).

Assista uma breve entrevista do autor para o programa “Milênio”, do canal Globo News.

Aqui um destaque dos trechos considerados como mais relevantes dos capítulos 1 a 3 do livro “O Culto do Amador”.

Introdução

(…)expliquei que estava trabalhando numa polêmica sobre o impacto destrutivo da revolução digital em nossa cultura, economia e valores. “É uma mistura de ignorância com egoísmo, mau gosto e ditadura das massas”, disse eu, incapaz de conter um sorriso, “com anabolizantes.” Ele deu um sorriso constrangido em troca. “Então é um encontro de Huxley com a era digital”, disse. “Você está reescrevendo Huxley para o século XXI.” Ergueu seu copo de vinho em minha homenagem. “Ao Admirável Mundo Novo 2.0!”

No cerne desse experimento de auto-publicação por uma infinidade de macacos está o diário na Internet, o onipresente blog. Blogar tornou-se uma mania tal que um novo blog é criado a cada segundo de cada minuto de cada hora de cada dia. Estamos blogando com um despudor simiesco sobre nossas vidas privadas, nossas vidas sexuais, nossas vidas oníricas, nossa falta de vida, nossas segundas vidas. Neste momento, há 53 milhões de blogs na Internet. O número dobra a cada seis meses. Enquanto você leu este parágrafo, dez novos blogs foram criados.

Além disso há a Wikipédia, uma enciclopédia online em que qualquer um com polegar opositor e cinco anos de escola pode publicar o que quiser sobre qualquer tópico, de AC/DC a zoroastrismo.Desde o nascimento da Wikipédia, mais de 15 mil colaboradores criaram quase três milhões de verbetes, em mais de uma centena de línguas diferentes — nenhum deles editado ou atentamente examinado quanto à sua exatidão. Com centenas de milhares de visitantes por dia, a Wikipédia tornou-se hoje o terceiro site mais visitado em busca de informação e eventos. Uma fonte de notícias com mais crédito que os websites da CNN ou da BBC, embora a Wikipédia não tenha nenhum repórter, nenhuma equipe editorial e nenhuma experiência na coleta de notícias. É o cego guiando o cego — infinitos macacos fornecendo informação infinita para infinitos leitores, perpetuando o ciclo de desinformação e ignorância.

O YouTube eclipsa até os blogs na vacuidade e no absurdo de seu conteúdo. Nada parece prosaico demais, ou narcísico demais, para esses macacos cineastas. É uma galeria infinita de filmes amadores mostrando pobres idiotas dançando, cantando, comendo, lavando-se, comprando, dirigindo, limpando, dormindo ou simplesmente olhando para seus computadores. Em agosto de 2006, um vídeo imensamente apreciado chamado Easter Bunny Hates You (O coelho da Páscoa te odeia) mostrava um homem vestido de coelho importunando e agredindo pessoas na rua; segundo a revista Forbes, foi visto mais de 3 mi de vezes em duas semanas.

Mais perturbador que o fato de milhões de nós sintonizarmos de bom grado esse tipo de tolice diariamente é que tem sites nos transformando em macacos sem sequer nos darmos conta. Quando digitamos palavras no Google, estamos de fato criando algo chamado “inteligência coletiva”, a sabedoria total de todos os usuários do Google. A lógica do mecanismo de busca, que os tecnólogos chamam de algoritmo, reflete a “sabedoria” das massas. Em outras palavras, quanto mais pessoa sclicam num link resultante de uma busca, mais provável esse link aparecerá em buscas subsequentes. O mecanismo de busca é uma união dos 90 mi de perguntas que fazemos coletivamente aoGoogle todo dia; em outras palavras, ele só nos diz o que já sabemos.

O The New York Times noticia que 50% de todos os blogueiros postam com o propósito exclusivo de relatar e partilhar experiências de suas vidas pessoais. O slogan do YouTube é “Transmita-se a si mesmo”. E transmitir a nós mesmos é o que fazemos, com toda a autoadmiração desavergonhada doNarciso mítico. À medida que a mídia convencional tradicional é substituída por uma imprensa personalizada, a Internet torna-se um espelho de nós mesmos. Em vez de usá-la para buscar notícias, informação ou cultura, a usamos para sermos de fato a notícia, a informação, a cultura.

Mas não estão em jogo apenas nossos padrões culturais e valores morais. O mais grave de tudo é que as próprias instituições tradicionais que ajudaram a promover e criar nossas notícias, nossa música, nossa literatura, nossos programas de televisão e nossos flmes estão igualmente sob ataque. Jornais e revistas de notícias, uma das fontes mais confiáveis de informação sobre o mundo, estão em dificuldades graças à proliferação de blogs e sites gratuitos como o Craigslist, que ofere cem classificados gratuitos, solapando a publicação de anúncios pagos. No primeiro trimestre de 2006, os lucros despencaram de maneira impressionante em todas as principais empresas jornalísticas – 69% na New York Times Co., 28% na Tribune Co. e 11% na Gannett, a maior empresa jornalística dos EEUU. A circulação também caiu. O público leitor do San Francisco Chronicle, ironicamente um dos principais jornais do Vale do Silício, caiu estonteantes 16% apenas no começo de 2005. E em 2007, a Time, Inc. dispensou quase 300 pessoas, sobretudo do corpo de redatores, de revistas como Time, People e Sports Illustrated.

Aqueles de nós que ainda leem jornal e revistas sabem que as pessoas estão comprando menos música também. Graças à pirataria digital desenfreada gerada pelas tecnologias de compartilhamento de arquivos, as vendas de música gravada caíram mais de 20% de 2000 a 2006.

A mídia antiga está ameaçada de extinção. Mas, oque tomará seu lugar? Ao que tudo indica, serão os novos e incrementados mecanismos de busca, os sites das redes sociais e os portais de vídeo da Internet. Cada nova página no MySpace, cada nova postagem num blog, cada novo vídeo no Youtube equivale a mais uma fonte potencial de renda com anúncios perdida pela mídia convencional. Daí a decisão sábia ou desesperada tomada por Rupert Murdoch em 2005 de comprar o MySpace por 580 mi. Daí a venda do YouTube por 1,65 bi e a explosão de capital de risco no financiamento de sites à la YouTube. Daí o crescimento aparentemente irrefreável do Google, que, em meados de 2006, viu a receita avolumar-se a quase US$ 2,5 bi.

 

Capítulo 1 – A Grande Sedução

Desde então não parei mais de observar. Passei os dois últimos anos acompanhando a revolução da Web 2.0 e me sinto consternado pelo que vi.

Porque a democratização, apesar de sua elevada idealização, está solapando a verdade, azedando o discurso cívico e depreciando a expertise, a experiência e o talento. Como afirmei antes, está ameaçando o próprio futuro de nossas instituições culturais.

Eu chamo isso a grande sedução. A revolução da Web 2.0 disseminou a promessa de levar mais verdade a mais pessoas — mais profundidade de informação, perspectiva global, opinião imparcial fornecida por observadores desapaixonados. Porém, tudo isso é uma cortina de fumaça. O que a revolução da Web 2.0 está realmente proporcionando são observações superficiais do mundo, em vez de uma análise profunda, uma opinião estridente, ou um julgamento ponderado. O negócio da informação está sendo transformado pela Internet no puro barulho de 100 mi de blogueiros, todos falando ao mesmo tempo sobre si mesmos.

Além disso, o conteúdo gratuito e produzido pelo usuário, gerado e exaltado pela revolução da Web 2.0, está dizimando as fileiras de nossos guardiões da cultura, à medida que críticos, jornalistas, editores, músicos e cineastas profissionais e outros provedores de informação especializada estão sendo substituídos (“des-intermediados”, para usar um termo do FOO Camp) por blogueiros amadores, críticos banais, cineastas caseiros e músicos que gravam no sótão. Enquanto isso, os modelos de negócios radicalmente novos, baseados em material gerado pelo usuário, sugam o valor econômico da mídia e do conteúdo cultural tradicionais.

A verdade de uma pessoa torna-se tão “verdadeira” quanto a de qualquer outra. Hoje a mídia está estilhaçando o mundo em um bilhão de verdades personalizadas, todas parecendo igualmente válidas e valiosas. Para citar Richard Edelman, o fundador, presidente e CEO da Edelman PR, a maior empresa privada de relações públicas do mundo: “Nesta era de tecnologias explosivas de mídia não existe verdade exceto aquela que você cria para si mesmo.”

Quem sabe, a mesma equipe por trás da misteriosa eliminação no verbete da Wikipédia de comentários negativos sobre o tratamento do Wal-Mart a seus funcionários.Os blogs são cada vez mais o campo de batalha onde os porta-vozes em relações públicas estão travando sua guerra de propaganda. Em 2005, antes de lançar um grande investimento, os executivos da GE se reuniram com blogueiros ambientais para convencê-los dos benefícios de uma nova tecnologia verde. Enquanto isso, multinacionais como a IBM, a Maytag, e a GM têm blogs que dissimuladamente espalham suas versões da verdade corporativa para o mundo exterior.

Como discutirei com mais detalhe, a verdade e a confança são os bodes expiatórios da revolução da Web 2.0. Num mundo com cada vez menos editores ou revisores profissionais, como saber em que e em quem acreditar? Como grande parte do conteúdo gerado pelo usuário é publicado anonimamente ou sob um pseudônimo, ninguém sabe quem é o verdadeiro autor da maior parte desse conteúdo auto-gerado. Pode ser um macaco. Um pinguim. Pode até ser Al Gore.

Paradoxalmente, o Santo Graal dos anunciantes em todo o mundo plano da Web 2.0 é conseguir a confiança dos outros. Isso está deixando de cabeça para baixo a indústria da publicidade convencional. O MySpace, de acordo com o Wall Street Journal e outros meios, agora tem perfis de personagens de ficção, numa tentativa de comercializar determinados produtos através da criação de “relações pessoais com milhões de jovens”. A News Corp (dona do MySpace) comprou o direito de incluir os perfis de personagens fictícios, como Ricky Bobby (interpretado por Will Ferrell), do blockbuster de 2006 Talladega Nights: A Balada de Ricky Bobby.

Outros membros recentes incluem mascotes publicitários como Gil, o caranguejo dos comerciais do Honda Element, a mascote real do Burger King, e uma personagem chamada “Miss Irresistible”, a porta-voz de dentes brilhantes da nova pasta de dentes Crest. Mas eles são realmente nossos amigos? Não. São personagens inventa dos, cujo único objetivo é vender às nossas influenciáveis crianças mais creme dental e hambúrguer

Nossa atitude com relação à “autoria” também está passando por uma mudança radical, como resultado da cultura democratizada da Internet de hoje. Num mundo onde plateia e autor são cada vez mais indistinguíveis, e onde a autenticidade é quase impossível de ser verificada, a ideia original de autoria e propriedade intelectual tem sido seriamente comprometida. Quem é o “dono” do conteúdo criado pelos personagens de filme de ficção no MySpace? E por um anônimo grupo de editores da Wikipédia? Quem é o “dono” do conteúdo publicado por blogueiros, seja ele originário de porta-vozes das empresas ou de artigos no NYT? A definição nebulosa de propriedade, agravada pela facilidade como podemos copiar e colar o trabalho de outros para fazê-lo parecer como se fosse nosso, resultou em uma nova permissividade preocupante sobre a propriedade intelectual.

Copiar e colar, claro, é coisa de criança na Web 2.0, gerando uma nova geração de cleptomaníacos intelectuais que acham que só por poder copiar e colar opiniões ou um pensamento bem formulado os faz donos deles. Tecnologias de compartilhamento de arquivos como o Napster e o Kazaa, que ganharam tanta atenção durante o primeiro

boom da Web, empalidecem diante das últimas “remixagens” de conteúdo da Web 2.0 e dos mashups de software e música. Numa espécie de lógica destorcida de Alice no País das Maravilhas descendo na toca do coelho, visionários do Vale do Silício, como o professor de Direito de Stanford e fundador da Creative Commons, Lawrence Lessig, e o autor cyberpunk William Gibson, elogiam a apropriação da propriedade intelectual.

Kevin Kelly, num artigo de maio de 2006 no NYT, fala com entusiamo da morte do tradicional texto solitário – que séculos de civilização conheceram como livro. O que Kelly vislumbra ao invés é uma mídia infinitamente interligada em que todos os livros do mundo são digitalizados e ligados entre si: o que chama de “versão líquida” do livro. Na opinião dele, o ato de copiar e colar e ligar e comentar um texto é antes de mais nada tão ou mais importante do que a escrita do livro. É a versão literária da Wikipédia.

Então o que acontece quando se combina a versão líquida do livro proposta por Kelly com um wiki? Um milhão de pinguins.

Não são só nossas sensibilidades estéticas que estão sendo atacadas. A Internet tornou-se a mídia escolhida para distorcer a verdade sobre a política e os políticos de ambos os lados do muro. O ataque em 2004 à estória de John Kerry no Swift Boat no Vietnã, por exemplo, foi orquestrado por centenas de blogueiros conservadores que descreveram um funcionário público patriótico como um bode expiatório para a propaganda dos vietcongs.

Nenhum desses blogs, do MoveOn.org ao Swiftvets.com, debate de forma séria as questões, as ambiguidades e a complexidade da política. Pelo contrário, atendem a uma minoria cada vez mais partidária que usa a mídia digital “democratizada” para ofuscar a verdade e manipular a opinião pública.

 

O Custo da Democratização

O desfoque da fronteira entre o público e o autor, fato e ficção, invenção e realidade obscurece mais ainda a objetividade. O culto ao amador tornou cada vez mais difícil determinar a diferença entre o leitor e o escritor, o artista e o porta-voz, arte e propaganda, amadores e especialistas. O resultado? A queda da qualidade e da confiabilidade das informações que recebemos, o que desvirtua, ou até

corrompe descaradamente nossa conversa cívica nacional. Mas talvez as maiores
vítimas da revolução da Web 2.0 sejam as empresas reais com produtos reais, funcionários reais e acionistas reais, como discutirei nos capítulos 4 e 5. Cada gravador extinta, repórter de jornal despedido ou livraria independente falida é uma consequência do conteúdo grátis gerado pelos usuários na Internet – da publicidade gratuita do Craigslist aos vídeos gratuitos de música do Youtube, à informação gratuita da Wikipédia.

A estória de capa da edição de julho de 2006 da Business perguntou quem eram as 50 pessoas mais influentes da nova economia. No topo da lista não estavam Steve Jobs, Rupert Murdoch, Sergey Brin nem Larry Page, fundadores do Google. Estava “

VOCÊ ! O Consumidor como Criador”:

Em seu best-seller “A Cauda Longa”, o editor da revista Wired, Chris Anderson, comemora o achatamento da cultura, que descreve como o fm da parada de sucessos. No admirável mundo novo de Anderson, haverá espaço infinito nas prateleiras para produtos infinitos, dando a todos escolhas infinitas. A Cauda Longa praticamente redefine a palavra “economia”, deslocando-a da ciência da escassez para a ciência da abundância, um mercado promissor e infinito no qual “ciclamos” e reciclamos nossa produção cultural seguindo nossos corações. É uma ideia sedutora. Mas mesmo que se aceitem os duvidosos argumentos econômicos de Anderson, a teoria tem um furo gritante Anderson assume que o talento bruto é tão infinito quanto o espaço de prateleira na Amazon ou no eBay. Mas embora possa haver infinitas máquinas de escrever, há uma escassez de talento, competência, experiência e domínio em qualquer área. Encontrar e promover o verdadeiro talento em um mar de amadores pode ser o verdadeiro desafio da Web 2.0. O fato é que a visão de Anderson de uma mídia achatada, sem hits, é uma profecia autorrealizável. Sem o cultivo de talentos não há hits, pois o talento que os cria nunca é cultivado ou não tem permissão para brilhar.

O talento, como sempre, é um recurso limitado, a agulha no palheiro digital de hoje. Não se encontra o indivíduo talentoso, treinado, naufragado de pijama atrás de um computador, produzindo postagens estúpidas em blogs ou resenhas anônimas de filmes. Cultivar talento exige trabalho, capital, competência, investimento. Requer a infraestrutura complexa da mídia tradicional – olheiros, agentes, editores, publicitários, técnicos, marqueteiros. O talento é construído pelos intermediários. Se se os “des-intermedia”, acaba-se também com o desenvolvimento do talento.

A economia da Cauda Longa está toda errada. Utopistas da tecnologia como Anderson sugerem que o conteúdo auto-criado resultará de algum modo numa aldeia permanente de compradores e vendedores, cada um comprando pouco e escolhendo de um número extraordinário de coisas. Mas quanto mais conteúdo auto criado é despejado na rede, mais difícil fica distinguir o bom do ruim – e fazer dinheiro com ele. Como Trevor Butterworth relatou ao Financial Times, ninguém está ficando rico com os blogs, nem Markos Zuniga, fundador do blog político mais conhecido, o Daily Kos.

O grande desafio do mercado da cauda longa de Anderson está em encontrar o que ler, ouvir ou assistir. Se você acha que o sortimento em sua loja de discos é pequeno, espere até a cauda longa desenrolar sua extensão infinita. Arrastar-se pela blogosfera, ou os milhões de bandas no MySpace, ou as dezenas de milhões de vídeos no YouTube procurando um ou dois blogs, músicas ou vídeos de real valor não é viável para aqueles de nós com uma vida ou um trabalho. O único recurso que é desafiado por esta longa cauda de conteúdo amador é o nosso tempo, o recurso mais limitado e precioso de todos.

Chris Anderson está certo ao afirmar que o espaço infinito da Internet vai dar cada vez mais oportunidades para os nichos, mas o lado negativo é que isso vai garantir que tais nichos gerarão menos receitas.

Onde isso tudo vai parar? Com um canal para cada um de nós, onde seremos a emissora solitária e seu único espectador? Esta seria a democratização no nível mais fundamental. Essa absurda conclusão não é pura fantasia. Blogueiros e podcasters assumiram o controle de nossos computadores, de nossos smartphones. O que antes era apenas um estranho culto do Vale do Silício agora está transformando a América.

Mas não podemos culpar outras espécies por este triste estado. Nós seres humanos monopolizamos o centro das atenções nesta nova fase da mídia democratizada. Somos ao mesmo tempo os escritores amadores, os produtores amadores, os técnicos amadores e, sim, os espectadores amadores.

 

Sobre “Cultura Livre”, de Lawrence Lessig.

Cultura Livre - Lawrence Lessig

“Cultura Livre”é o mais afamado texto do advogado, escritor, professor de Stanford e militante da rede virtual, Lawrence Lessig. Ele foi um dos criadores da licença liberada para conteúdos no espaço virtual, conhecida como Creative Commons.  Segundo parte da imprensa brasileira, no livro, Lessig “questiona a maneira como os direitos autorais vêm sendo interpretados nas últimas décadas”. Esses direitos ou copyright que nasceram para proteger e incentivar o criador, hoje tem efeito contrário, usado como instrumento de controle da produção cultural pela grande “indústria de conteúdo” – estúdios de cinema, cadeias de rádio, editoras e gravadoras.

Assista aqui um vídeo onde o autor discorre brevemente sobre a sua teoria da “Cultura Livre”no Século XXI.

Por solicitação acadêmica da disciplina Cibercultura, comandada pelo Professor Riverson Rios, expõem-se aqui os trechos dos capítulos 1 a 5 tidos como mais relevantes.

Capítulo 1 – Criadores

Disney criou algo completamente novo, baseado em algo relativamente novo. O som sincronizado trouxe vida a uma forma de criatividade que raramente — exceto quando Disney estava no comando — era qualquer coisa além de um recheio para os filmes. Na história do início da animação, foi a invenção de Disney que definiu os padrões que os demais lutaram para alcançar. E muito freqüentemente, a grande genialidade de Disney, sua centelha de criatividade, foi construída em cima do trabalho de outras pessoas.

Isso é muito familiar. O que você talvez não saiba é que 1928 também marcou outra transição importante. Nesse ano, um gênio da comédia (em oposição ao desenho animado) criava seu último filme mudo produzido de forma independente. Esse gênio era Buster Keaton. O filme era Steamboat Bill, Jr.

Em todos esses casos, Disney (ou a empresa Disney, Inc.) pegavam a cultura que estava ao seu redor, misturavam-na com o seu próprio talento, e então colocavam essa mistura no âmago da sua cultura. Pegar, misturar e disponibilizar.

Essa é, mais precisamente, uma “criatividade Waltdisneyana” — uma forma de expressão e genialidade que é construída sobre a cultura que existe ao nosso redor e a torna algo diferente.

Dessa forma, a maior parte do conteúdo do século 19 estava livre para a Disney usar e basear-se nele em 1928. Estava livre para todos — fossem ligados ou não ao autor, fossem ricos ou não, fossem aprovados ou não — para usar e ter como referência.

Claro que Walt Disney não detém o monopólio da “criatividade Waltdisneyana”, e tampouco a América. A norma da cultura livre era, até recenemente, e exceto em regimes totalitários, intensamente explorado e basicamente universal.

De fato, a prática é simplesmente pegar e modificar as criações de outros, como Walt Disney fez com Steamboat Bill, Jr. Seja na lei japonesa ou americana, essa “apropriação” sem consentimento de trabalho com copyright sem autorização prévia do autor é ilegal. É uma violação de copyright fazer uma cópia ou obra derivada sem permissão do dono do trabalho sob copyright .

O problema com essa história, porém, como Mehra veementemente reconhece, é que o mecanismo que produz essa resposta laissez faire não está claro. Pode ser que para o mercado como um todo é melhor que o doujinshi seja permitido do que proibido, mas isso não explica porque donos de determinados copyright não abrem processos contra os artistas doujinshi mesmo assim. Se a lei não possui uma exceção geral ao doujinshi, e de fato em alguns caso alguns artistas de manga originais processaram artistas de dou-
jinshi, porque não existe um padrão mais generalizado para proibir a cultura do doujinshi?

A pirataria nesse caso fere ou ajuda as suas vítimas? Os advogados, ao lutarem contra tal pirataria, ajudariam ou prejudicariam os seus clientes? Vivemos em um mundo que celebra a “propriedade”. Eu sou um desses celebradores. Eu acredito em um mundo de propriedades em geral, e eu também acredito no valor dessa forma estranha de propriedade que os advogados chamam de “propriedade intelectual”.[25] Uma sociedade grande e diversificada não pode sobreviver sem propriedades. Uma sociedade grande,
diversificada e moderna não pode florescer sem propriedade intelectual.

Mas basta refletir um pouco mais para entender que existe muito valor aonde a “propriedade” não pode ser definida. Eu não quero dizer que “dinheiro não traz felicidade”, mas o valor é claramente parte de um processo de produção, seja ele comercial ou não. Se os animadores da Disney tivessem roubado um conjunto de lápis para desenhar Steamboat Willie, nós poderíamos dizer sem hesitar que isso é errado, mesmo sendo isso trivial e mesmo que passasse despercebido. Mas não há nada de errado, ao menos nos tempos atuais, no fato de Disney ter pegado idéias de Buster Keaton ou dos irmãos Grimm. Não há nada errado em pegar idéias de Keaton pois o uso que Disney fez de suas idéias pode ser considerado “justo”.3 E não há nada de errado quanto a pegar idéias das obras os irmãos Grimm já que as mesmas estavam no domínio público.

Algumas coisas permanecem livres para serem pegas por qualquer um em uma cultura livre, e essa liberdade é boa.

Os criadores aqui e em todo lugar estão sempre e o tempo todo construindo em cima da criatividade daqueles que vieram antes e que os cerca atualmente. Essa construção é sempre e em todo lugar parcialmente feita sem compensação ou autorização do criador original. Nenhuma sociedade, livre ou controlada, jamais obrigou qualquer forma de pagamento ou exigiu permissão para todos os usos de criatividade Waltdisneyana que aconteceu.

De fato, todas as sociedades tem uma certa parcela de sua cultura livre para ser usada — sociedades livres mais que outras menos livres, talvez, mas todas as sociedades possuem essa liberdade em algum grau.

A nossa cultura era uma cultura livre, mas está ficando cada vez menos livre.

Capítulo 2 –  “Meros Copiadores”

A fotografia profissional dava às pessoas uma visão de lugares que de outra forma eles jamais veriam. A fotografia amadora deu-lhes a habilidade de registrar suas próprias vidas de uma forma que eles nunca foram capazes de fazer antes. Como nota o autor Brian Coe, “Pela primeira vez o álbum de fotografias de ao homem cotidiano um registro permanente da sua família e de suas atividades. (. . . ) Pela primeira vez na história havia um registro visual autêntico da aparência e atividades do homem cotidiano sem nenhum tipo de inclinação do autor”.[30]

Com a Kodak, a expressão era possível de forma muito mais rápida e simples. A barreira para a expressão foi reduzida. Pessoas esnobes podiam a desprezar pela sua “qualidade” e os profissionais podiam desconsiderá-la como irrelevante. Mas veja uma criança tentar entender como realizar o melhor enquadramento de uma foto e você terá uma idéia da experiência de criatividade que a Kodak permitiu. Ferramentas democráticas dão à pessoa comum um meio de se expressarem de maneira mais simples do que com as ferramentas que existiam antes.
Da mesma forma que Disney podia obter inspiração de Steamboat Bill, Jr ou dos irmãos Grimm, o fotógrafo deveria ser livre para capturar uma imagem sem compensar a fonte.

Em geral, nenhuma permissão deveria ser requerida antes que uma foto fosse tirada e compartilhada com outros. Na prática, a permissão é presumida, e liberdade é o padrão.

(A lei eventualmente criou uma exceção para pessoas famosas: fotógrafos comerciais que tiram fotos de pessoas famosas para objetivos pessoais possuem muitas restrições que o resto de nós não possuem. Mas na maioria dos casos, as fotos podem ser tiradas sem precisar de permissão.[33])

A fotografia poderia existir. Ela poderia crescer em importância com o tempo. Os profissionais poderiam continuar usando a tecnologia como eles usam — pois profissionais poderiam mais facilmente lidarem com o peso do sistema de permissões. Mas a disseminação da fotografia entre as pessoas comuns não ocorreria. Não veríamos o crescimento que ele provocou. E certamente esse crescimento que vemos nessa tecnologia de expressão democrática não aconteceria.
“Alfabetização midiática”, como Dave Yanofsky, o diretor executivo do projeto Just Think!, define, “é a habilidade (. . . ) de entender, analisar e desconstruir as imagens dos meios de comunicação. Ela visa torná-lo [as crianças] entendidas em como os meios de comunicação funcionam, como eles são criados, distribuídos, e como as pessoas têm acesso a eles”.

(…) em um mundo aonde as crianças vêem uma média de 390 ho-

ras de comerciais na televisão por ano, ou algo em torno de 20 a 45 mil comer-
ciais em geral,[35] é cada vez mais importante entender-se a “gramática” dos
meios de comunicação.
O século 21 pode ser diferente. Esse é o ponto crucial: ele pode ser umséculo de trocas. Ou ao menos de uma melhor compreensão de como essanova linguagem funciona. Ou melhor, de entender as ferramentas que podemser usadas para nos guiar ou desviar. O objetivo de qualquer alfabetização, eo dessa em especial, é “dar poder para que as pessoas escolham a linguagem apropriada nas quais elas irão criar ou se expressar”.[38] É permitir que estudantes “se comuniquem na linguagem do século 21”.

Segundo Elisabeth Daley, da USC: Porque eles precisam disso, existe uma razão para fazer isso.Eles precisam dizer algo, ao invés de simplesmente fazerem cópias.Eles realmente precisam usar uma linguagem na qual eles nunca foram muito bons. Mas então eles entendem que eles podem ter muito poder com essa linguagem”.

Eu não quero definitivamente divinificar a Internet — embora e u acredite que as pessoas que participaram dessa forma de discussão deveriam ser homenageadas. Pois, como no caso da Kodak, a Internet permite às pessoas capturarem imagens. E, como no caso dos filmes criados pelos estudantes do “Just Think!”, as imagens poderiam ser mixadas a sons ou textos.
O 11 de Setembro não foi uma aberração, e sim um começo. Ao mesmo tempo, uma forma de comunicação cresceu rapidamente enquanto surgia para a consciência das pessoas: o Web-log, ou blog . O blog é uma espécie de diário público, e em algumas culturas, como a japonesa, ele funciona de forma muito semelhante a um diário. Nessas culturas, eles registram fatos pessoais de maneira pública — como em uma versão eletrônica do Programa do Jô ou doDe Frente com Gabi, disponível em qualquer lugar do mundo.
As melhores entradas em um blog são relativamente pequenas; elas apontam para as palavras usadas por outros, criticando-as ou corroborando com elas. Eles são possivelmente a mais importante forma de discurso público não ensaiado que temos.

Mas apenas eleições não fazem uma democracia. Democracia quer dizer poder para o povo, mas poder quer dizer algo mais que apenas eleições. Em nossa tradição isso também significa controle através de críticas racionais.

Os blogs permitem o discurso público sem que as pessoas precisem se encontrar em um determinado local público.

Existe um outro motivo para o fato dos blogs terem um ciclo de vida diferente dos principais meios de comunicação. Como Dave Winer, um dos pais desse movimento e um desenvolvedor de software por várias décadas, me disse, uma outra diferença é a ausência de “conflitos de interesses” provocados por motivos financeiros. “Eu penso que você tem que remover esse conflito de interesses” do jornalismo, Winer me disse. “Um jornalista amador simplesmente não tem tal conflito de interesses, ou o conflito de interesses é tão facilmente detectável que você pode o remover do caminho facilmente”.

O ambiente dos blogs dá aos amadores — no sentido de amar o que faz, não no de inexperiência, significando que ele não precisa ser pago para escrever suas histórias — um caminho para entrarem no debate.

E conforme a inclusão de conteúdo dessa forma é o uso com menor violação de leis na Internet (no tocante às leis de copyright), Winer disse que “seremos os últimos a serem retirados de circulação”.

O melhor exemplo de larga escala desse tipo de criação até agora é o software livre ou software de código aberto (free software/open-source software— FS/OSS). O FS/OSS é um tipo de software no qual o código fonte é compartilhado. Qualquer um pode obter uma cópia da tecnologia que permite que os programas FS/OSS funciona. E qualquer um que tenha interesse em aprender como uma certa tecnologia FS/OSS funciona pode brincar com o código.
Cada atividade dessas é uma forma de aprendizado. “O código aberto tornou-se uma plataforma importante de aprendizado”.
Porém a liberdade para trabalhar esses objetos não está garantida. De fato, conforme veremos no decorrer desse livro, essa liberdade está sendo cada vez mais questionada. Enquanto não há dúvidas de que seu pai tem o direito de mexer no motor do seu carro, existem dúvidas de se seu filho temo direto de mexer com as imagens que ele encontra espalhadas por aí. A lei e, cada vez mais, a tecnologia interfere na liberdade que a tecnologia, e a curiosidade, deveriam assegurar.
Nós criamos uma tecnologia que pega a mágica da Kodak, a combina com imagens em movimento e sons, e adicionamos a ela um espaço para comentários e para divulgar essa criatividade em todo lugar. Mas estamos construindo a lei de modo a barrar tal tecnologia.

Capítulo 3 –  Catálogos

Sistemas de busca são uma medida da acessibilidade de uma rede. O Google trouxe a Internet mais para perto de nós pois melhorou de maneira fantástica a qualidade da pesquisa na rede. Sistemas de busca especializados podem fazer isso ainda melhor. A idéia dos sistemas de busca para “intranets”, sistemas de busca que pesquisam dentro da rede de uma instituição específica, é oferecer aos usuários um acesso facilitado ao material disponível na instituição. Empresas fazem isso o tempo todo, permitindo que os funcionários tenham acesso a materiais que pessoas de fora não podem acessar.

As Universidades o fazem também. Para casos de “violação intencional”, o Copyright Act especifica algo que os advogados chamam de “multa estabelecida”. Essas multas permitem que os donos do copyright obtenham 150 mil dólares por violação. Como a RIAA alegava pelo menos cem violações específicas do copyright, eles então exigiam que Jesse lhes pagasse pelo menos 15 milhões de dólares.
Processos similares foram abertos contra outros três estudantes: um outro
estudante da RPI, um da Universidade Técnica de Michigan, e outro de Princeton.
Em 23 de Junho, Jesse entregou todas as suas economias a um advogado da RIAA. O caso então foi retirado. E a partir daí, esse garoto que transformou um sistema de busca em um processo de 15 milhões de dólares tornou-se um ativista.
“Eu não era um ativista [antes]. Eu não fazia a menor questão de ser um ativista. (. . . ) [Mas] eu acabei sendo forçado a isso. De maneira alguma eu poderia prever que isso ia acontecer, mas acredito que foi completamente absurdo o que a RIAA fez”.

Os pais de Jesse demonstraram um certo orgulho em seu ativista relutante. Como seu pai me disse, Jesse “se considerava bastante conservador, assim como eu. (. . . ) Ele não era um desses amantes das árvores. (. . . ) Eu penso que foi bizarro o que eles lhe fizeram. Mas ele agora deseja fazer as pessoas entenderem que eles estão ouvindo a mensagem errada. E ele deseja corrigir essa mensagem”.
Capítulo 4 –  “Piratas”
Se podemos entender “pirataria” como o uso de propriedade intelectual dos outros sem permissão — ainda mais se o princípio “se tem valor, tem direito” estiver correto — então a história da indústria cultural é uma história de pirataria. Todos os setores importantes da “grande mídia” da atualidade — filmes, música, rádio e TV à cabo — nasceram de um tipo de pirataria bem definida. A história recorrente é como os piratas da geração passada se uniram ao country club dessa geração — até agora.
4.1 Filmes
A indústria cinematográfica de Hollywood foi construída por piratas fugitivos.[51] Os criadores e diretores migraram da Costa Leste para a Califórnia no começo do século 20 em parte para escaparem do controle que as patentes ofereciam ao inventor do cinema, Thomas Edison.
Claro que a Califórnia cresceu rapidamente, e logo a proteção às leis federais acabou chegando ao oeste. Mas como as patentes davam ao dono das patentes um monopólio realmente limitado (apenas dezessete anos naquela época), quando suficientes agentes federais apareceram, as patentes haviam expirados. Uma nova indústria nasceu, em parte por causa da pirataria da propriedade intelectual de Edison.
4.2 Indústria Fonográfica
A indústria fonográfica nasceu de um outro tipo de pirataria, embora essa
nos force a entender um pouco sobre os detalhes de como a lei regulamenta
a música.
Os compositores (e os distribuidores) não ficaram nada felizes com essa
capacidade de pirataria.
Os inovadores que desenvolveram a tecnologia para gravar os trabalhos de outras pessoas estavam “vivendo às custas do suor, do trabalho, do talento e da genialidade de compositores americanos”,[55] e a “indústria de distribuição de música” estava de fato “a completa mercê desses piratas”. [56]
Como John Philip Souza define, da forma mais direta possível, “quando eles ganham dinheiro com as minhas músicas, eu quero uma parte dele”. A lei rapidamente decidiu essa batalha em favor do compositor e do artista que gravou a música. O Congresso (estadunidense) modificou a lei para garantir que os compositores seriam pagos pelas “reproduções mecânicas” de suas músicas.
Mas ao invés de simplesmente dar ao compositor controle total sobre os direitos de criação de reproduções mecânicas, o Congresso deu aos músicos o direito de gravarem um a música, a um preço definido pelo Congresso, uma vez que o compositor tenha permitido ao menos uma gravação da música.
Essa é a parte da lei de direitos autorais que permite a existência dos covers musicais. Uma vez que o compositor autorize uma gravação de sua música, outros eram livres para gravarem a mesma canção, desde que pagassem ao compositor uma taxa estipulada pela lei.
Mas a lei que rege a música dá aos músicos menos direitos. E, na
prática, a lei subsidia a indústria musical através de um tipo de pirataria — dando aos músicos direitos menores do que daria para outros artistas.
Legião Urbana possui menos controle sobre seu trabalho criativo do que Pau
lo Coelho. E os beneficiários de tal redução no controle são a indústria fonográfica e o público. A indústria fonográfica obtêm algo de valor por menos do que normalmente teria que pagar e o público passa a ter acesso a uma gama muito m
ais ampla de criatividade musical.
Apesar de atualmente a indústria fonográfica estar muito discreta quanto a esse assunto atualmente, historicamente ela foi um grande simpatizante da licença legal para as músicas.

Pela limitação dos direitos que os músicos tinham, por parcialmente autorizarem a pirataria de seus trabalhos criativos, a indústria fonográfica e o público acabaram sendo beneficiados.
4.3 Rádio
O Rádio também nasceu da pirataria.
Quando uma estação de rádio toca uma música no ar, isso constitui uma “apresentação pública” do trabalho do compositor.[62] Como eu descrevi anteriormente, a lei dá ao compositor (ou ao detentor do copyright) um direito exclusivo sobre as apresentações públicas de seu trabalho. Desse modo, a estação de rádio devem dinheiro ao compositor por tal apresentação.
Mas quando uma estação de rádio toca uma música, ela não está apenas executando uma cópia do trabalho do compositor, mas também do trabalho do artista que gravou a música. O artista está adicionando seu valor à música executada pela estação de rádio. E se a lei fosse perfeitamente consistente, as estações de rádio deveriam pagar ao artista por seu trabalho, da mesma forma que eles pagam ao compositor da música por seu trabalho.
Mas elas não fazem isso. Pela lei que rege a radiodifusão, as estações de rádio não precisam pagar ao artista, só ao compositor. Dessa forma, elas conseguem uma parte da música de graça. Elas conseguem o trabalho do artista de graça, mesmo tendo que pagar ao compositor alguma coisa pelo direito de tocaram a música.
Sem sombra de dúvidas alguém irá afirmar que, em compensação, o artista se beneficia da promoção que ele recebe, que normalmente vale mais do que qualquer retorno que os direitos de performance poderiam lhe dar. Talvez isso seja verdade, mas mesmo assim, a lei em princípio dá ao criador o direito de fazer sua escolha. Fazendo uma escolha por eles, a lei dá às estações de rádio o direito pegarem algo de graça.
4.4 TV à cabo
A TV a cabo também nasceu de uma forma de pirataria. Quando os empreendedores do cabo começaram a fornecer às comunidades com TV a cabo em 1948, muitos deles negaram-se a pagar às redes de TV pelo conteúdo que eles redistribuíam aos seus consumidores. Mesmo quando as companhias de cabo começaram a vender acesso às red es de TV, eles negavam-se a pagar pelo que elas vendiam. As companhias do cabo estavam, na prática, Napsterizando o conteúdo das redes de TV, mas de forma pior do que qualquer coisa que o Napster tenha feito — o Napster jamais cobrou pelo conteúdo que ele permitia que os outros dessem.
Eles eram “parasitas”, conforme o presidente do Sindicato dos Atores de Cinema Charlton Heston disse, que estão “negando aos artistas a compensação por seu trabalho”.[66]
Levou quase trinta anos para o Congresso (dos Estados Unidos) decidir-se sobre a questão de se as companhias de cabo deveriam pagar algo pelo conteúdo que eles “piratearam”. No fim, o Congresso decidiu essa questão da mesma maneira que decidiu quanto ao caso dos gramofones e pianolas. Sim, as companhias de cabo deveriam pagar pelo conteúdo que eles distribuíam, mas que o preço que eles deveriam pagar não deveria ser definido pelo detentor do copyright.
O preço era definido pela lei, de forma que os donos de redes de TV não poderiam exercer poder de veto sobre a emergente tecnologia do cabo. As companhias de cabo dessa forma construíram seus impérios em parte porque “piratearam” o valor criado pelas redes de TV.
Capítulo 5 – “Pirataria”
Existe sim a pirataria de material sob copyright. Uma grande quantidade dela e de várias formas, sendo a mais significativa a pirataria comercial, o uso não-autorizado de conteúdo de outras pessoas em um contexto comercial.

Apesar das muitas justificativas que são oferecidas em sua defesa, essa tomada é errada. Ninguém deveria ser condescendente com ela, e a lei deveria parar tal pirataria. Junto com esse tipo de pirataria existe uma outra forma de “uso” que está mais diretamente relacionado com a Internet. Essa uso também parece errado para muitos, e realmente está errado na maior parte do tempo.
Porém, antes de acusarmos isso como “pirataria”, devemos entender sua natureza melhor. Porque o prejuízo provocado por esse uso é significativamente mais ambíguo que a cópia descarada, e a lei deveria levar essa ambigüidade em conta, com freqüentemente fez no passado.
5.1 Pirataria —– Parte I
Ao redor do mundo, mas especialmente na Ásia e no Leste Europeu, existem empresas que não fazem nada além de pegar o conteúdo sob copyright de outras pessoas, copiá-lo e vendê-lo — e tudo isso sem a permissão do dono do copyright.

A indústria fonográfica estima que perde por volta de 4,6 bilhões de dólares todo ano com a pirataria física[70] (que representa um em cada três CDs vendidos atualmente em todo o mundo). A MPAA estima que perde 3 bilhões de dólares anualmente em todo o mundo por causa da pirataria. Isso é pirataria pura e simples. (…)

Nenhum país pode fazer parte da economia mundial e optar por não proteger o
copyright de outros países. Nós nascemos como um país de piratas, mas não estamos
dando a qualquer outro país a chance de uma infância similar.
No meu ponto de vista, cada vez mais os país es em desenvolvimento irão tirar proveito de tais oportunidades, mas quando eles não o fizerem, então suas leis deverão ser respeitadas. E segundo as leis dessas nações, essa pirataria é errada.
Extremistas desse debate adoram dizer “você não vai até a livraria Saraiva, pega um livro das instantes e simplesmente sai sem pagar; porque deveria ser diferente com a música online?” A diferença, claro, é que quando você pega um livro na Saraiva, é um livro a menos disponível para venda. Já quando você copia um arquivo MP3 de uma rede de computadores, não trata-se de um CD a menos que possa ser vendido. As idiossincrasias da pirataria do intangível é diferente das idiossincrasias da pirataria do tangível.
Existem exceções: licenças legais importantes que se aplicam a conteúdo sob
copyright independentemente do desejo do dono do copyright.
Essas licenças dão às pessoas o direito de “tomarem” conteúdo sob copyright
queira o dono do copyright vendê-lo ou não. Mas onde a lei não dá às pessoas o direito de pegarem conteúdo, é errado o fazer mesmo que esse erro não cause prejuízo. Se nós temos um sistema de propriedades, e esse sistema é apropriadamente equilibrado com a tecnologia do seu período, então é errado tomar propriedades de outros sem sua permissão. É exatamente isso o que significa “propriedade”. Finalmente podemos argumentar que esse tipo de pirataria na verdade ajuda o dono do copyright.

Quando os chineses “pirateiam” o Windows, isso torna a China dependente da Microsoft. A Microsoft perde o valor do software tomado. Mas ele ganha usuários que estarão acostumados a viverem no mundo da Microsoft. Sem pirataria, portanto, a Microsoft iria perder dinheiro.

Nós não justificamos o alcoólatra quando ele rouba sua primeira cerveja meramente porque isso irá garantir que ele compre as próximas três. De fato, normalmente deixamos que as empresas decidam por si próprias quando devem dar de graça seus produtos. Se a Microsoft teme a competição do GNU/Linux, então a Microsoft pode dar seus produtos, como ela fez, por exemplo, com o Internet Explorer para combater o Netscape.
Mas como os exemplos dos três capítulos que introduziram essa parte sugerem, mesmo que algumas formas de pirataria sejam simplesmente erradas, não significa que toda a “pirataria” o seja. Ou, ao menos, nem toda a “pirataria” é errada se esse termo for entendido como ele é cada vez mais entendido atualmente. Muitas formas de “pirataria” são úteis e produtivas, seja para produzirem conteúdo novo ou para criarem novas formas de negócios.
5.2 Pirataria — Parte II
A chave para a “pirataria” que a lei quer reprimir é o uso que “prive do autor a sua renda”.[73] Isso quer dizer que devemos determinar se e quanto o compartilhamento em P2P causa de prejuízo antes de determinarmos o quão fortemente a lei deverá procurar prevenir tal prejuízo ou encontrar alternativas para garantir ao autor a sua renda. O compartilhamento P2P tornou-se famoso com o Napster. Mas os inventores do Napster não criaram nenhuma grande inovação tecnológica. Como todos os avanços nas inovações na Internet (e, podemos dizer, fora da Internet também[74]), Shawn Fanning e companhia simplesmente agruparam componentes que já estavam tinham sido desenvolvidos de forma independente.

Os participantes das redes de compartilhamento de arquivos compartilham diferentes tipos de conteúdos. Podemos dividi-los em quatro tipos.
A – Esses são aqueles que usam as redes P2P como substitutos para a compra de conteúdo.

B – Há alguns que usam as redes de compartilhamento de arquivos para
experimentarem música antes de a comprar.

C – Há muitos que usam as redes de compartilhamento de arquivos para
conseguirem materiais sob copyright que não são mais vendidos ou que não podem ser comprados ou cujos custos da compra fora da Net seriam muito grandes.

D – Finalmente, há muitos que usam as redes de compartilhamento de arquivos para terem acesso a conteúdos que não estão sob copyright ou cujo dono do copyright os disponibilizou gratuitamente.

Do ponto de vista legal, apenas o tipo D de compartilhamento é claramente legal. Do ponto de vista econômico, apenas o tipo A de compartilhamento é claramente prejudicial.[78] O tipo B de compartilhamento é ilegal mas claramente benéfico. O tipo C também é ilegal, mas é bom para a sociedade (já que maior exposição à música é bom) e não causa prejuízos aos artistas (já que esse trabalho já não está mais disponível).
Se o compartilhamento equilibrado resulta em prejuízos depende do quão
prejudicial é o tipo A de compartilhamento. Da mesma forma que Edison
reclamou de Hollywood, os compositores reclamaram das pianolas, os músicos
reclamaram do rádio, e as redes de TV reclamaram da TV a cabo, a indústria
musical reclama que o tipo A de compartilhamento é um tipo de “roubo” que
está “devastando” a indústria.

A tecnologia era o problema, e banir ou regulamentar a tecnologia era a solução.

O “prejuízo médio” da indústria é o quanto o tipo A de compartilhamento supera o tipo B. Se as gravadores venderem mais CDs pela experimentação do que elas perdem pela substituição, então na prática as redes de compartilhamento beneficiam a indústria musical no saldo final.
Elas podem então ter menos razões estáticas para resistirem a elas.
Isso pode ser verdade? A indústria como um todo pode estar ganhando mais por causa do compartilhamento de arquivos? Por mais estranho que isso possa parecer, os dados sobre as vendas de CD atualmente sugerem que isso possa estar acontecendo.
Existem muitas coisas diferentes acontecendo ao mesmo tempo para explicarem esses números de forma definitiva, mas uma conclusão é inevitável: embora a indústria fonográfica pergunte incessantemente “ Qual a diferença entre copiar uma música da Internet e roubar um CD?” —, seus próprios números revelam tal diferença. Se eu roubo um CD, então é um CD a menos para venda. Qualquer roubo é perda de venda. Mas se nos basearmos nos números que a RIAA oferece, veremos claramente que isso não funciona com os downloads. Se cada download fosse uma venda perdida — se cada uso do KaZaA “rouba[sse] do autor [sua] renda” — então a indústria deveria ter sofrido uma queda de 100% nas vendas no ano passado, não de apenas 7%.
Se 2,6 vezes os números de CDs foram copiados da Internet, e ainda assim as vendas caíram em apenas 6,7%, então existe uma grande diferença entre “copiar uma música da Internet e roubar um CD”.

Um dos benefícios é o compartilhamento de tipo C — disponibilização de conteúdo tecnicamente ainda sob copyright mas que já não mais está disponível comercialmente.

No espaço físico — muito antes da Internet — o mercado deu uma resposta simples a esse problema: os sebos, aonde se compram e vendem livros e discos usados. Existem milhares de sebos atualmente nos Estados Unidos.[85]
E pela lei norte-americana de copyright, quando eles compram e vendem esse conteúdo, mesmo tal conteúdo ainda estando sob copyright, o dono do copyright não tem direito a um centavo. Sebos são entidades comerciais; seus donos fazem dinheiro do conteúdo que vendem; mas como no caso das empresas de cabo antes da licença legal, eles não têm que pagar ao dono do copyright do conteúdo que eles vendem.
Finalmente, e talvez mais importante, as redes de compartilhamento de arquivos permitem que o tipo D de compartilhamento aconteça— o compartilhamento de conteúdo cujos donos do copyright desejam que seja compartilhado ou para os quais já não exista mais copyright. Esse compartilhamento claramente beneficia o autor e a sociedade.
“Mas essa guerra não é apenas contra o compartilhamento ilegal? Seu alvo não apenas o que definimos como compartilhamento de tipoA?”

Você deve estar pensando assim, e esperamos que seja assim. Mas até agora, não está sendo assim. O efeito da guerra aparentemente contra o tipo A de compartilhamento está sendo levada além desse tipo de compartilhamento. Quando o Napster disse à corte regional que havia desenvolvido uma tecnologia que bloqueava a transferência de 99,4% do material identificadamente ilegal, a corte do distrito disse ao advogado do Napster que 99,4% não era suficiente. O Napster deveria ”eliminar totalmente” as violações de copyright.[86]
No mesmo ano que o Congresso atingiu esse equilíbrio, dois grandes produtores e distribuidores de filmes abriram um processo contra outra tecnologia, o gravador de fitas de vídeo (video tape recorder — VTR, ou como chamamos atualmente, videocassetes —video cassette recorder — VCRs) que a Sony havia produzido, o Betamax. Os apelos da Disney e da Universal contra a Sony eram relativamente simples: a Sony produzira um dispositivo, no entender da Disney e da Universal, que permitia aos consumidores se envolverem em violações de copyright. Como o dispositivo da Sony fora construído com um botão “gravar”, o dispositivo poderia ser usado para gravar filmes e show sob copyright. A Sony estaria portanto se beneficiando das violações de copyright de seus consumidores. Ela deveria ser, na opinião da Disney e da Universal, parcialmente responsabilizada por tais violações.
Quando você pensa nesses exemplos, e em todos os outros que citamos nos quatro primeiros capítulos dessa seção, esse equilíbrio faz sentido. Walt Disney não era um pirata? Seria melhor ao doujinshi se os seus artistas obtivessem permissão prévia dos artistas de manga? Deveríamos regulamentaras ferramentas que permitissem às pessoas capturarem e divulgarem imagens ou que permitissem às pessoas criticarem à nossa cultura? É realmente justo expor alguém a multas de 15 milhões de dólares por dano apenas por ter construído um sistema de busca? Teria sido melhor se Edison controlasse o cinema? Será que todas as bandas cover deveriam contratar advogados para pedirem permissão ao gravarem músicas?
Nós deveríamos estar fazendo isso atualmente. A tecnologia da Internet está mudando muito rapidamente. O modo como as pessoas se conectam à Internet está mudando muito rapidamente (de com para sem cabos). Sem sombra de dúvidas a rede não deveria tornar-se uma ferramenta para “roubar” conteúdo de artistas. Mas também a lei não deveria tornar-se uma ferramenta para entrincheirar-se uma forma específica pela qual os artistas (ou mais precisamente) deverão ser pagos. Como eu irei descrever com detalhes no último capítulo desse livro, deveríamos estar garantindo retorno aos artistas ao mesmo tempo em que garantiríamos ao mercado acesso ao modo mais eficiente de promoção e distribuição de conteúdo. Isso irá exigir mudanças na lei, ao menos no interim de tais mudanças. Essas mudanças deveriam ser criadas para equilibrar a proteção da lei e o interesse público na continuação da inovação.

Sobre “A Cauda Longa”de Chris Anderson.

A Cauda Longa
O Autor:

Tecnólogo, escritor, economista, pesquisador, empresário e startupper, Chris Anderson é tido autoridade em tecnologias emergentes. Ao longo da sua carreira, ele foi editor das seções de tecnologia e negócios para o The Economist durante sete anos, e foi também editor-chefe da mundialmente famosa publicação Wired. Anderson é conhecido por seu famoso texto “A Cauda Longa”, que narra as novas formas de consumo na internet, junto com as  estratégias de negócios, em que os peixes pequenos competem com os peixes grandes; e como a abundância de produtos influência na criação de nichos de mercado.
Aqui uma palestra de Anderson sobre o texto A Cauda Longa, dentro da sua plataforma de conferências online, Ted:

Cris Anderson – Sobre A CAUDA LONGA

Extração de trechos “mais importantes”(segundo o presente leitor). Os capítulos foram selecionados pelo Professor Riverson Rios, da disciplina Cibercultura, UFC.

CAPÍTULO I

“A seleção irrestrita está revelando verdades sobre oque os consumidores querem e como pretendem obtê-lo, em ampla gama de serviços —desde DVDs, na empresa de locação de vídeos Netflix, até músicas, na iTunes MusicStore e na Rhapsody. Os consumidores estão mergulhando de cabeça nos catálogos, para vasculhar a longa lista de títulos disponíveis, muito além do que é oferecido na Blockbuster Vídeo e na Tower Records. E quanto mais descobrem, mais gostam da novidade. A medida que se afastam dos caminhos conhecidos, concluem aos poucos que suas preferências não são tão convencionais quanto supunham (ou foram induzidos a acreditar pelo marketing, pela cultura de hits ou simplesmente pela falta de alternativas).”

“Durante muito tempo, padecemos sob a tirania do mínimo divisor comum, sujeitos à estupidez dos sucessos de verão e dos produtos industrializados populares. Por quê? Economia. Muitos de nossos pressupostos sobre as tendências dominantes são, na verdade, consequências da incompatibilidade entre oferta e demanda — resposta do mercado a ineficiências na distribuição. O principal problema, se algum, é que vivemos no mundo físico e, até recentemente, o mesmo ocorria com a mídia de entretenimento. A realidade concreta impunha grandes limitações às nossas diversões.”


A tirania da localidade

“O principal problema é a necessidade de encontrar públicos locais. (…)os varejistas se interessarão apenas pelo conteúdo capaz de gerar demanda suficiente para pagar os custos de estocagem.”

“Muitos produtos de entretenimento de excelente qualidade, capazes de atrair grande público no âmbito geral, não conseguem superar as barreiras do varejo local. (…)”

“Outra restrição do mundo físico é a física em si. O espectro das ondas de rádio comporta apenas algumas emissoras e o cabo coaxial admite somente tantos canais de TV. E, evidentemente, as programações podem estender-se por não mais do que 24 horas por dia. A maldição das tecnologias de broadcast é serem consumidoras perdulárias de recursos limitados. O resultado é mais um exemplo da necessidade de agregar grandes audiências em áreas geográficas limitadas — outra grande barreira que só é superada por pequena fração dos novos conteúdos.”

“A economia movida a hits, que analisaremos com mais profundidade nos próximos capítulos, é produto de uma era em que não havia espaço suficiente para oferecer tudo a todos: não se contava com bastantes prateleiras para todos os CDs, DVDs e videogames; com bastantes telas para todos os filmes disponíveis; com bastantes canais para todos os programas de televisão; com bastantes ondas de rádio para tocar todas as músicas; e muito menos bastantes horas no dia para espremer todas essas coisas em escaninhos predeterminados.”


Mercados sem fim

“Cada varejista tem seu próprio limite econômico, mas todos definem algum ponto de corte em seus estoques. O que se espera que venda uma quantidade mínima é mantido em estoque; o resto fica fora. Em nossa cultura movida a sucessos, as pessoas se concentram obsessivamente no lado esquerdo da curva, na tentativa de adivinhar o que se aglomerará nesse pequeno espaço.”

“(…)a maioria dos negócios de Internet bem-sucedidos de alguma maneira explora a Cauda Longa. O Google, por exemplo, ganha boa parte de seu dinheiro não com grandes empresas anunciantes, mas com a propaganda de pequenos negócios (a Cauda Longa da propaganda). Com a eBay ocorre basicamente o mesmo fenômeno — ela explora produtos de nicho, desde carros para colecionadores até tacos de golfe adaptados. Ao superar as limitações da geografia e da escala, empresas como essas não só expandem seus mercados, mas também, o mais importante, descobrem outros mercados inteiramente novos. Além disso, em todos os casos, esses mercados que se situam fora do alcance dos varejistas físicos se revelaram muito maiores do que seria de esperar — e se tornam cada vez mais vastos.”

“Esses novos negócios com espaço infinito nas prateleiras efetivamente aprenderam as lições da nova matemática: um número muitíssimo grande (os produtos que se situam na Cauda Longa) multiplicado por um número relativamente pequeno (os volumes de vendas de cada um) ainda é igual a um número muito grande. E, ainda mais uma vez, esse número muitíssimo grande está ficando cada vez maior”


A maioria oculta

“Quando se é capaz de reduzir drasticamente os custos de interligar a oferta e a demanda, mudam-se não só os números, mas toda a natureza do mercado. E não se trata apenas de mudança quantitativa, mas, sobretudo, de transformação qualitativa. O novo acesso aos nichos revela demanda latente por conteúdo não-comercial. Então, à medida que a demanda se desloca para os nichos, a economia do fornecimento melhora ainda mais, e assim por diante, criando um loop de feedback positivo, que metamorfoseará setores inteiros — e a cultura — nas próximas décadas.”

“Imagine a linha de flutuação como sendo o limiar econômico da categoria, o volume de vendas necessário para satisfazer os canais de distribuição. As ilhas representam os produtos que são bastante populares para erguer-se além da superfície e, portanto, lucrativos o suficiente para serem oferecidos por meio de canais de distribuição com capacidade escassa, ou seja, o espaço de prateleira da maioria dos grandes varejistas. Perscrute  o  horizonte cultural e o que se destaca são os picos de  popularidade elevando-se acima das ondas.”


CAPÍTULO V

Democratização das ferramentas de produção

“Uma coisa é assistir a um filme ou ouvir uma música e pensar em “gênios” — que alguém muito especial com extraordinário aparato de produção criou essa obra-prima sem igual, que nos marcou com tanta profundidade. No entanto, quando sabemos o que acontece nos bastidores, começamos a perceber que também nós podemos ser os gênios privilegiados. Inspiramo-nos a criar quando as ferramentas de produção são transparentes. Quando as pessoas compreendem como se fazem as grandes obras, é mais provável que elas mesmas queiram fazê-las.”

“Hoje, milhões de pessoas comuns tem as ferramentas  e os  modelos  para se tornarem produtores amadores. Algumas também terão talento e visão. Como os meios de produção se difundiram com tamanha amplitude, entre tantas pessoas, os talentosos e visionários, ainda que representem uma pequena fração do total, já são uma força a ser levada em conta. Não se surpreenda se algumas das obras mais criativas e influentes das próximas décadas forem produzidas por essa classe Pro-Am de aficionados inspirados, em vez de provirem das fontes tradicionais do mundo comercial. O efeito dessa mudança significa que a Cauda Longa crescerá em ritmo nunca dantes visto.”

O fenômeno da Wikipédia

 “Em janeiro de 2001, um próspero operador de opções, chamado Jimmy Wales, decidiu construir unia grande enciclopédia online de uma maneira inteiramente nova — explorando a sabedoria coletiva de milhões de especialistas e semi-especialistas amadores, apenas pessoas comuns que se julgam conhecedoras de alguma coisa. Essa enciclopédia estaria disponível de graça para todo o mundo; e seria criada não por especialistas e editores, mas por todos que quisessem contribuir. Wales começou com poucas dezenas de artigos pré-escritos e um software aplicativo chamado Wiki (palavra havaiana que significa “rápido” ou “veloz”), que cria condições para que qualquer pessoa com acesso a Internet entre num site, edite, apague ou aumente seu conteúdo. Propósito: nada menos que construir um repositório de conhecimentos que rivalize com a antiga biblioteca de Alexandria.”

“Desnecessário dizer que a pretensão era controversa. Para começar, não é assim que se devem fazer enciclopédias. Desde os mais remotos primórdios, a compilação de conhecimentos respeitáveis foi tarefa de acadêmicos. Tudo começou com uns poucos polímatas solitários que ousaram tentar o impossível. Na Grécia antiga, Aristóteles se empenhou para registrar todos os conhecimentos de sua época. 400 anos depois, o nobre romano Plínio, o Velho, produziu um conjunto de 37 volumes com os conhecimentos da época. O estudioso chinês Tu Yu escreveu sozinho sua enciclopédia no século IX. E, no século XVIII, Diderot e alguns amigos (inclusive Voltaire e Rousseau) demoraram 29 anos para criar a Encyclopédie, ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts e des Métiers.”

“Agora, Wales lançou um terceiro modelo: a enciclopédia aberta e coletiva. Em vez de basear-se numa única pessoa inteligente ou num grupo de indivíduos privilegiados, a Wikipedia explora os conhecimentos de milhares de pessoas de todos os tipos — desde verdadeiros especialistas até observadores interessados — com muitos curadores voluntários que adotam verbetes e mantêm-se atentos à sua evolução. Na nova enciclopédia de Wales, 50 mil wikipedianos auto-selecionados equivalem a um Plínio, o Velho.”


A era probabilística

“A Wikipedia, como o Google e a sabedoria coletiva de milhões de blogs, opera com base na lógica exótica da estatística probabilística, ou seja, em que se trata mais de probabilidade do que de certeza. Porém, nosso cérebro não está preparado para raciocinar em termos  de  estatística   e probabilidade. Queremos saber se o verbete de uma enciclopédia está certo ou errado. Fazemos questão de que haja algo sábio (de preferência humano) orientando os resultados do Google.”

“Quando profissionais—editores, acadêmicos, jornalistas—estão dirigindo o espetáculo, pelo menos sabemos que compete a alguém cuidar de alguns atributos fundamentais, como exatidão. Mas, agora, dependemos cada vez mais de sistemas pelos quais ninguém é responsável; a inteligência é simplesmente “emergente”, ou seja, parece surgir espontaneamente dos grandes números. Esses sistemas probabilísticos não são perfeitos, mas, sob o ponto de vista estatístico, são otimizados para,  com o tempo, tornar-se excelentes. Eles foram concebidos para “aumentar de escala” e melhorar com o tamanho. Um pouco de confusão e possíveis falhas na microescala são o preço que se paga pela eficiência na macroescala.”

“A vantagem dos sistemas probabilísticos é que eles se beneficiam da sabedoria das multidões e, em consequência, podem aumentar de escala, tanto em amplitude quanto em profundidade. No entanto, como essa característica sacrifica a certeza absoluta em microescala, é preciso considerar cada resultado isolado cora ura pouco de dúvida. A Wikipedia deve ser a primeira fonte de informação, mas não a última. Deve ser o site para exploração de informações, mas não a fonte definitiva dos fatos.”


O poder da produção colaborativa

“O que torna a Wikipedia de fato extraordinária é sua capacidade de melhorar com o tempo, curando-se organicamente, como se seu enorme exército, em rápido crescimento, de colaboradores espontâneos fosse um sistema imunológico, sempre vigilante e ágil na reação a qualquer coisa que ameace o organismo. E, como qualquer sistema biológico, ele evolui, selecionando traços que ajudem a manter-se um passo adiante dos predadores e fatores patogênicos em seu ecossistema.”


A Economia da Reputação

Cada uma dessas perspectivas muda a maneira como os criadores encaram os direitos de propriedade intelectual. No topo da curva, os estúdios cinematográficos, as grandes gravadoras e as editoras defendem com   ferocidade  seus direitos autorais. No meio, domínio dos selos independentes e das editoras universitárias, situa-se uma área cinzenta. Mais abaixo, na cauda, principalmente na zona não-comercial, um número cada vez maior de criadores de conteúdo está optando de maneira explicita por abrir mão de algumas de suas proteções de propriedade intelectual. Desde 2002, uma organização sem fins lucrativos, denominada Creative Commons, está emitindo licenças de igual nome para permitir o uso flexível de certos trabalhos com direitos autorais, em busca de maior valor, para os criadores de conteúdo, da distribuição, da remixagem e de outras divulgações P2P gratuitas de seus interesses e de sua reputação. (Com efeito, fiz isso com meu próprio blog, por todas as razões citadas.)


Auto-editoração sem acanhamento

“Desde cineastas até bloguistas, produtores de todos os tipos, que começam na cauda, com poucas expectativas de sucesso comercial, podem dar-se ao luxo de correr riscos, pois têm menos a perder. Não há necessidade de licença prévia, de plano de negócios nem mesmo de capital. As ferramentas da criatividade agora são baratas e, ao contrário do que imaginávamos, o talento se distribui de maneira mais dispersa. Sob esse aspecto, a Cauda Longa talvez se transforme na área crucial da criatividade, lugar onde as ideias se formam e se desenvolvem, antes de se transformarem em sucessos comerciais. “

Algumas observações do leitor em diálogo com colegas do curso:

Chris Anderson é um autor inserido em diferentes paradigmas da pós-modernidade. À época da publicação de “A Cauda Longa”(2006 foi o ano da sua primeira edição), os sistemas de trocas na internet mostravam-se como novas formas de apropriação de bens e conteúdos, sendo que, paulatinamente, essas formas foram se adaptando às lógicas do mercado globalizado.

A proposta dos capítulos estudados é expor o modelo econômico intitulado Cauda Longa. Por meio desta perspectiva, que surge sobretudo com o crescimento dos mercados online, ou seja, os mercados diretamente atrelados ao advento do ciberespaço, criam-se mercados de nichos, específicos, que dialogam com os mercados dos hits.

Alguns dos exemplos do autor sobre empresas de oferecimento de serviços e bens culturais/espetáculos, as quais hoje encontram-se praticamente desaparecidas: os blockbusters (Star Wars, Harry Potter) em contraponto aos longas de menor escala, geralmente filmes independentes. O consumo em grande escala destes últimos gera uma renda que pode ser equiparada à dos próprios blockbusters, de acordo com o autor. No ramo musical, atualmente podemos citar o Spotify, que vende catálogos de artistas hits, mas apresenta um largo consumo de artistas menores que, consumidos com bastante frequência, se equiparam aos hits. A este fenômeno dá-se o nome de Cauda Longa.

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